sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Sul 21: Em depoimentos, OEA recebe denúncias de aumento da violência contra mulheres negras

Camila Boehm e Elaine Gonçalves

Mulheres negras que sofreram diversos tipos de violência vão relatar nesta sexta (30) à Organização dos Estados Americanos (OEA), durante audiência pública na capital paulista, casos nos quais foram vítimas. Os depoimentos serão colhidos pela relatora de Direitos de Afrodescendentes e Mulheres da OEA, Margarette Macaulay, que veio ao Brasil conhecer essa realidade e receberá também o dossiê sobre a violência sofrida por mulheres negras no Brasil das mãos de ativistas das organizações Geledés Criola.
No Brasil, os assassinatos de mulheres brancas tiveram redução de 9,3% em dez anos (2002 a 2013), enquanto os assassinatos de mulheres negras tiveram um aumento de 54,2% no mesmo período, segundo dados do dossiê, que é uma compilação de dados oficiais do país.
“O dossiê é resultado de um relatório que nós apresentamos para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA denunciando as violações, as violências sofridas pelas mulheres negras brasileiras”, contou Nilza Iraci, do Geledés.
Diante do aumento dos casos de violência contra a mulher negra, houve a reflexão. “Se nós temos instrumentos, temos leis, temos a Lei Maria da Penha, alguma coisa não estava batendo. Se tem uma lei que combate a violência contra todas as mulheres, o que estava acontecendo?”, questionou.
“Quando nos debruçamos sobre a questão, começamos a verificar que não se tratava só de violência doméstica e sexual, que nós não poderíamos falar em ‘violência’ contra a mulher, nós teríamos que falar em “violências”, ressaltou Nilza.
O documento explicita diversos casos de violência, como vítimas de violência obstétrica, assassinatos de lésbicas, transexuais e travestis, racismo institucional e no sistema de justiça, intolerância religiosa e racismo na internet, além das violações sofridas pelas mães dos jovens negros assassinados.
O relatório inicial – reunindo dados e histórias – foi apresentado à OEA em abril último, quando também foram encaminhadas recomendações à entidade, entre elas, a de designar um representante para que viesse ao país e verificasse as violações denunciadas.
“Eles acataram a nossa recomendação e designaram a Margarette Macaulay para dialogar com essas mulheres que estão citadas no dossiê, dialogar com essas situações. Estamos fazendo essa audiência para que ela ouça essas mulheres. Na verdade, o que vamos apresentar a ela é um microcosmo diante dessa violência absurda que as mulheres negras sofrem cotidianamente”, disse Nilza.

Violência presente

“No começo era uma maravilha. Ele era uma pessoa muito boa, que mostrava muito carinho e muito respeito por mim. Até o dia do primeiro tapa. E do tapa veio ferro, veio coronhada, eu tenho uma cicatriz no rosto, veio humilhação verbal, psicológica, humilhação física”. É assim que Maria Aparecida da Silva Souto, pedagoga, 48 anos, começou a contar como era a rotina de seu primeiro casamento, cotidiano de violência que ela suportou calada por muito tempo.
“E eu aguentei tudo calada porque as pessoas… Uma vez eu contei e ninguém acreditou. Falou “imagina”, ele tava nervoso. Melhor com ele, pior sem ele”, contou Maria. Mais de vinte anos depois, ela ainda se emociona ao tocar no assunto, mas acredita que as coisas mudaram, especialmente por causa da Lei Maria da Penha. “Precisou de uma mulher quase morrer para a gente ter esse direito de gritar e falar”.
A Lei Maria da Penha ajudou a reduzir a violência contras as mulheres, no entanto, as mulheres negras só veem a violência crescer contra elas. O dossiê aponta que, nas mortes por agressão, as mulheres negras são 64% das mulheres vítimas de assassinatos no Brasil.

Pactos Internacionais contra a violência

O documento avalia ainda que, apesar de o Brasil ser signatário de Pactos Internacionais contra a violência contra as mulheres e de ter legislação específica, como a Maria da Penha, além de políticas, programas e redes de serviços voltados para o enfrentamento dessa violência, “não existe qualquer mecanismo voltado para o enfrentamento do racismo, seus impactos na produção da violência contra as mulheres negras, e ao racismo institucional incorporado a estas ações”.
“Em 2015, o Brasil aprovou a lei 13.104 sobre feminicídios, que destaca os assassinatos de mulheres relacionados às desigualdades de gênero no país. No entanto, estas leis e demais instrumentos relativos à violência contra mulher negligenciam as iniquidades provocadas pelo racismo e a complexidade da violência enfrentada pelas mulheres negras”, destaca o dossiê.
Um dos objetivos da audiência pública é mostrar histórias de pessoas que estão por trás das estatísticas. “O que está por trás desses números, qual é a situação de fato das mulheres violadas, estupradas, das mães, das trans, das lésbicas, o que está por trás disso? E tentar, a partir daí, uma ação mais efetiva do governo, eu tenho certeza que o governo vai ser instado para dar respostas”, afirmou Nilza.
Além disso, ela acredita que a audiência terá o papel de reunir as mulheres que estão em luta contra as diversas violências sofridas. “É um momento em que elas vão se encontrar e perceber que não estão sozinhas”, finalizou.


Fonte: Sul 21 https://goo.gl/nMnm79

Professor no Brasil tem salário menor que a média dos países da OCDE

Relatório divulgado nesta quinta-feira (15) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “Education at a Glance”, revela perfil do professor brasileiro e confirma sua má remuneração, em comparação a outros países.


O salário mínimo anual legal no Brasil é US$12.237, valor menor do que a metade da média salarial da OCDE e mais baixo do que o de países latino-americanos como Chile, México e Colômbia.
Também na Educação Básica, a carga de trabalho do professor brasileiro é a mais elevada, em número de semanas de trabalho. Passam em média 42 semanas por ano dando aulas, enquanto a média da OCDE varia de 40 semanas (em creches e ensino infantil) até 37 semanas (no fim do Ensino Médio).
Fora isso, na maioria dos países, segundo o relatório, a remuneração aumenta de acordo com o nível de ensino tratado. Em países como Bélgica, Dinamarca, Finlândia e México, comparando um professor de creche e pré-escola a um professor do Ensino Médio, ambos com 15 anos de experiência, o salário deste chega a ser 25% superior. Já os professores das universidades publicam ganham em média US$ 40 mil por ano.


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

IHU: "O desafio da escola está não só em incorporar os interesses dos jovens, mas em educar esses próprios interesses"

29 Setembro 2016

No último dia 22 de setembro, o governo publicou a Medida Provisória 746, que modifica o Ensino Médio no país. Desde o primeiro momento, a medida gerou críticas contundentes de organizações e pesquisadores da educação. Em entrevista ao portal da EPSJV/Fiocruz, 28-09-2016, Marise Ramos  professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio -  EPSJV/Fiocruz, analisa a medida ponto a ponto e explica porque a reforma apresentada pelo governo nem de longe resolve a situação do ensino médio brasileiro, pelo contrário, reforça as desigualdades e relega a maior parte dos jovens uma formação mínima e precarizada.
Eis a entrevista.
A justificativa do governo para apresentar a MP é a falência do ensino médio no Brasil, que, segundo o próprio governo, apresenta alta evasão e desempenho estagnado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esse é um diagnóstico correto?
Esses problemas existem, mas eu sempre destaco que a origem do problema da evasão e da própria estagnação das matrículas no ensino médio não está dentro do próprio ensino médio. Trata-se de uma questão da sociedade brasileira, da juventude brasileira, em especial da classe trabalhadora, daqueles que estudam na escola pública. Porque a faixa etária a partir da qual esses jovens ingressam no ensino médio é uma faixa etária também que desafia o jovem à realidade do emprego, do trabalho. Então, tem essa questão: a configuração do jovem como população economicamente ativa, como aquele que precisa trabalhar para complementar a renda familiar, pontualmente. Tem também a questão da própria sustentação no ensino médio. Por mais que tenhamos os programas de apoio, a passagem, o Programa Nacional do Livro Didático, a merenda escolar, por mais que se tenham ampliado os programas de assistência estudantil, ainda é um momento difícil para as famílias pobres, que têm dificuldade de sustentar o filho no ensino médio. Há outras questões diagnosticadas, todo mundo que estuda evasão também vê, por exemplo, a situação da gravidez precoce, o problema do uso de drogas, etc. Então esses são alguns aspectos que transcendem o conteúdo pedagógico da escola.
Mas não existe também problema interno à escola? O argumento é que o ensino médio não é atraente para os jovens...
Bom, entrando um pouco mais para a escola, claro que você tem nos sistemas estaduais de ensino redes bastante comprometidas do ponto de vista da qualidade da escola. Aí tem esse discurso: ‘a escola não é atrativa ao jovem’. Mas tem que se perguntar qual escola que não é atrativa ao jovem: a escola depredada, a escola sem condições dignas de estudo, de permanência? Obviamente. Então, esse já é um problema de qualidade propriamente. Aí entramos na questão do currículo, que também não é atraente ao jovem. A gente sabe que a escola passa por uma transição que tem a ver com a crise mais generalizada no plano cultural. As gerações que estão no ensino médio hoje vivem em uma sociedade em mudança, em transformação, uma sociedade em crise. E o ritmo da escola, a própria tradição da escola moderna, não incorpora as mudanças imediatamente. E também nem é o caso, porque um dos sentidos da educação, da escola, é ser uma experiência dos sujeitos em que uma das suas dimensões implica a incorporação, pelo jovem, da tradição de uma sociedade. Tradição no sentido daquilo que a sociedade construiu até o momento. É assim que a sociedade se sustenta, é preciso conhecer, incorporar a própria tradição para se questioná-la e transformá-la.
Então, de fato, eu não esperaria que a escola fosse algo que mudasse com a mesma dinâmica que os contextos sociais e culturais, porque esse confronto entre a tradição e a mudança, o novo, é formativo. Então, é preciso cautela com essa ideia de que a escola não é atraente aos jovens. Se de um lado se fala: ‘a escola não é atraente aos jovens’, de outro lado também se poderia perguntar: o que é atraente a esse jovem? É o que traz perspectivas, possibilidades formadoras para ele? Ou podem ser também lógicas deformadoras? Então, o desafio da escola está não só em incorporar os interesses dos jovens, convergir com os interesses dos jovens, mas educar esses próprios interesses. Os jovens, vindos de sua realidade — seja qual for, de uma vida burguesa, sofisticada, cara, ou de uma vida pobre, de carência —vão trazer os interesses que foram produzidos por essa realidade.
Não cabe à escola simplesmente incorporar os seus interesses, ou então adequar-se aos seus interesses. O que cabe à escola é, em se conhecendo esses interesses, confrontá-los com as necessidades formativas desses jovens, à luz de um projeto de sociedade. Isso tem a ver com currículo escolar. Pensar esse currículo nas dimensões da vida desse estudante, trazer a ciência, o conhecimento, o trabalho, a cultura em todas as suas dimensões – a cultura juvenil, da mídia, a cultura erudita, enfim. Precisa haver um encontro entre projeto educacional e interesses do jovem. Antes de um encontro, na verdade, é preciso haver um confronto para se poder, então, se encontrar e se reconstruir a convergência entre a finalidade da escola e o interesse do jovem.
Mudanças nos currículos são necessárias para atender esses pressupostos?
São. A gente tem debatido isso desde a redemocratização do país. Mas se quisermos colocar um marco, as reformas desde a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996] trazem essa preocupação. Tanto que veio a reforma do ensino médio no governoFernando Henrique Cardoso, quando já se falou intensamente do protagonismo juvenil, da contextualização do conhecimento, da interdisciplinaridade, inclusive da lógica da formação por competência, porque traria um ensino mais diretamente vinculado aos objetivos de aprendizagem. Essa já foi uma reforma feita em nome do suposto interesse do jovem. Uma parte dos educadores, na qual eu me situo, já criticavam a reforma porque tentava-se fazer mudanças do ponto de vista curricular sem considerar as questões estruturais da sociedade e da própria escola.
Percebíamos a insuficiência daquela reforma, porque ela também representava, em certa medida, a ideia de que o jovem deve trazer os seus interesses e a escola deve se limitar a convergir com esses interesses. E aí vem a discussão que a gente consegue fazer posteriormente, já a partir de 2003, que redunda nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais [DCNs] do Ensino Médio, que expressam plenamente esse reconhecimento da necessidade de se repensar e se reorganizar o currículo do ensino médio tendo em vista a realidade dos seus estudantes, porém sem negligenciar a finalidade educacional, que é formar um jovem na sua plenitude.
Nesse sentido, as DCNs são muito positivas porque estabelecem a possibilidade de o estudante ter acesso e se apropriar do patrimônio científico, cultural, social, ético, político, produzido pela humanidade até então e, ao mesmo tempo, confrontar, questionar essa mesma tradição, do ponto de vista, inclusive, do seu tempo, do lugar onde se encontra, da forma como vê o mundo num determinado tempo. Então, as Diretrizes trazem plenamente essa preocupação. Quer dizer, se a questão do interesse do jovem pela escola é central, é um problema, o que se construiu até o momento, condensado nas DCNs do ensino médio, do meu ponto de vista, dão conta.
Esta Medida Provisória agrava os problemas do ensino médio?
Sim. Porque essa reforma traz essa mesma justificativa do índice de evasão, estagnação, etc., mas a maldade, digamos assim, é que ela reduz drasticamente o que podem ser os interesses da juventude. E delibera, inclusive sem ouvir a comunidade educacional, sem ouvir os próprios estudantes, sobre o que podem ser os seus interesses. Sabe o que eles dizem na MP que são os interesses do jovem? Ter uma formação mínima, que na prática é ter uma formação precária. É isso. Então a síntese dessa medida é uma formação precária, que vai se tornar realidade, principalmente, para os filhos da classe trabalhadora.
A MP limita a carga horária das disciplinas contidas na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) a 1200 horas e a outra metade da carga horária a itinerários formativos que incluem linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica profissional. Por que isso expressa essa formação mínima?
Essa é a primeira questão que salta aos olhos. É o fato de se determinar qual é a carga horária máxima da formação da Base Nacional Curricular Comum [BNCC]. Hoje o ensino médio está regulado com 2400 horas, em termos de uma concepção de formação unitária. O parágrafo 2º do Artigo 36 da LDB, que foi revogado por essa MP, dava uma especificidade ao ensino médio com a formação profissional, mas essa possibilidade tinha como preceito o asseguramento da formação geral, pois a formação profissional só podia acontecer mediante acréscimo da carga horária. Então, as 2.400 horas hoje regulamentadas são de formação básica, e sob o princípio de uma formação unitária. A MP estabelece que essa formação básica e unitária se reduz necessariamente a 1200 horas, que é a metade da carga horária atualmente prevista. O que se faz com as outras 1200 horas? Aí se abrem itinerários formativos.
Suponhamos que eu seja estudante do ensino médio: eu me contento com uma formação básica de 1.200 horas e o restante da carga horária eu vou fazer guiado por aquilo que seria o meu interesse mais direto. Então, eu admito que posso ser menos formado. É isso que a medida está dizendo. A MP diz que a escola pode oferecer um ou mais itinerários. Então, um estudante que por ventura tenha suposto — porque a gente não pode nem dizer que ele saiba isso nessa fase da vida —que não tem interesse por ciências da natureza pode fazer a sua formação sem nunca mais ter o contato com as ciências da natureza. Ou seja, ele não vai ter uma formação que contemple minimamente o conjunto. Porque a Base Nacional Comum vai ser reduzida igualmente, já que não se pode prever para a Base um conteúdo que demande mais do que 1200 horas.
O governo Temer quando assumiu anunciou que o processo de elaboração da Base seria paralisado. Então, não sabemos se o documento final irá se assemelhar a segunda versão que chegou a ser divulgada, sobre a qual já pesavam muitas críticas. O que esperar da BNCC após a edição dessa MP?
A lei impõe uma base diferente, porque certamente se estava trabalhando com a ideia das 2400 horas. Portanto, agora se terá um ano e meio para o trabalho desse conteúdo. O estudante sequer poderá redescobrir o interesse por alguma outra área que ele supostamente considera não gostar, provavelmente porque não teve uma boa experiência, não teve uma formação completa ou não esteve em uma escola com condições boas. E aí pronto, já está sacramentado, ele não tem mais chance.
A MP fala que depois da conclusão do ensino médio, o estudante pode optar por cursar um segundo itinerário formativo. Isso não resolve o problema?
Essa é outra maldade. Se o estudante, por alguma razão, quiser ou necessitar de uma formação mais ampla, ele tem que ampliar o seu tempo de ensino médio. Então, se o jovem amplia o seu interesse, ele acaba penalizado porque vai ter que voltar e cursar mais tempo. Isso se o sistema oferecer vaga, porque o jovem pode querer e não poder, já que está claramente expresso na MP que isso está sujeito à oferta de vaga.
Contando que a escola pode oferecer um ou mais itinerários, isso significa que podemos ter escolas que só ofereçam, por exemplo, a área de linguagens ou formação técnica?
Isso é um retorno muito piorado, tanto à lei 4024/61 quanto à 5692/71. O sistema de ensino define o que vai oferecer. Se quiser definir com ênfase em linguagem ou em ciências humanas, por exemplo, pode-se ter uma escola em que se prescinda da existência de laboratórios, precarizando mais ainda uma estrutura já precária. Some-se a isso o fim da obrigatoriedade do ensino de artes e educação física no ensino médio que a MP também traz. Então, a escola poderá não precisar ter laboratório, teatro, quadra esportiva... Quer dizer, é um artifício para se ter escolas ainda mais empobrecidas na sua infraestrutura. Como é que isso pode ser uma resposta aos interesses dos jovens? Tem um paradoxo aí, não é?
Em relação à formação profissional, que pode ser um dos itinerários formativos, voltamos à separação tão criticada entre formação geral e os cursos técnicos?
Voltamos exatamente ao patamar das leis que mencionei. Aqueles que eram considerados bons currículos do segundo grau técnico, na época da lei 5.692, tinham 50% de formação geral e 50% de formação profissional. Os não tão bons tinham menos formação geral e mais formação técnica. Mas, por exemplo, se você pegar a realidade das escolas técnicas federais à época, tipicamente os seus currículos mantinham essa divisão de 50%. Então, agora, você simultaneamente consegue trazer o que tem de pior nas duas leis passadas: da 4.024, porque restringe a formação dos estudantes nas áreas específicas, a exemplo do que foi o científico e o técnico profissional, e ressuscita a 5.692, numa lógica de um currículo de 50% para cada coisa. Outro agravante é o parágrafo único do artigo 24 da MP, que diz que a carga horária anual, que atualmente é de 800 horas, poderá ser progressivamente ampliada no ensino médio para 1.400 horas.
Você acrescenta então aí 600 horas por ano, que é mais ou menos o equivalente a um turno a mais por dia, exatamente o horário integral. Muito bem, de forma desavisada poderíamos bater palmas, pois ampliou-se a carga horária do ensino médio para o tempo integral. Mas essa ampliação só pode acontecer para os itinerários formativos, não pode ser uma ampliação na carga horária da formação básica comum, porque a formação da base nacional comum é limitada às 1.200 horas. Se os sistemas e os estabelecimentos de ensino ampliam, devem ampliar para 600 horas por ano e só podem fazê-lo na parte diversificada. Então, você aumenta a formação na especialização, essa que supostamente seria o interesse do jovem, e ele não vai ter mais a possibilidade de descobrir que teria outro interesse também.
Mas como você disse, a ampliação do Ensino Médio integral é uma demanda da sociedade e também uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Além do problema da expansão da carga horária na parte diversificada, que outros pontos críticos tem o atual projeto de ensino médio integral apresentado pelo governo no mesmo dia da edição da MP?
Pois é, alguém poderia falar assim: ‘não, mas o horário integral é uma questão positiva’. Eu própria falaria. Mas há muitos problemas. De um lado, a gente já viu que a ampliação só se efetiva nos itinerários e não na formação geral. E a outra questão é a obrigatoriedade do horário integral, que pode ampliar a concorrência hoje já existente entre trabalho e escola. Porque se o horário integral no ensino médio for obrigatório, quantos jovens podem ser impedidos de estudar porque a sua vida, estruturalmente, exige conciliar educação e trabalho, ou exige conciliar o ajudar em casa com o estudo? Enfim, o que não se leva em conta é quais são as condições objetivas para que essa ampliação possa corresponder a um direito ou uma necessidade do próprio estudante, e não ser uma imposição que vai redundar na exclusão. Uma outra observação que eu quero fazer é comparar a possibilidade da implementação dessa MP nas escolas de elite e nos sistemas públicos de ensino predominantemente utilizados pelas frações empobrecidas da classe trabalhadora. Assim como aconteceu em outras reformas, as escolas de elite nunca negligenciaram a formação básica, sólida, de cultura geral.
Quando houve a profissionalização obrigatória pela lei 5.692/61, ou elas transgrediam a lei ou faziam a profissionalização por via das formações consideradas formações em serviços, que acabavam sendo uma oportunidade para ampliar a formação na área das ciências humanas. Então, escolhiam profissões que podiam abrir para ampliar a formação geral: por exemplo, comunicação, secretariado, que amplia na língua estrangeira ou turismo, que abre a possibilidade de ampliar o estudo da geografia, da história. Tanto que não deu certo, chegou a lei 7.044 depois, que simplesmente regulamentou o que já estava acontecendo, que eram as escolas que não atendiam a obrigatoriedade da educação profissional.
As elites não atendiam porque não concordavam em tirar a carga horária de formação geral em nome da formação profissional. As escolas mal equipadas não atendiam porque não conseguiam fazer uma formação profissional decente já que não tinham os recursos para montar bons laboratórios. Então, uma escola de elite pode tranquilamente oferecer a diversidade dos eixos, pode optar por oferecer todos os itinerários e arranjos que permitam o aprofundamento da formação geral, até porque essas escolas não têm problemas de espaço físico e nem de falta de professor. E as escolas dos sistemas públicos é que vão fazer efetivamente a redução. Então, você tem reiterada e legalizada uma dualidade por dentro do sistema de ensino.
Só para deixar bem claro: a MP pode fazer com que um jovem só tenha acesso a uma escolha de itinerário formativo, levando em conta que a escola na qual estuda, que na maioria das vezes é a mais próxima de casa, pode oferecer só um tipo de formação?
Sim, porque inclusive isso é da lógica da economicidade. Porque essa é uma outra questão: hoje a gente tem um problema de falta de professor. A área em que há mais falta de professor é a das ciências da natureza, em geral a química e a física. Então, um sistema que tenha problema de falta de professor na área das ciências da natureza pode optar por fazer na maioria das escolas o itinerário das linguagens no qual tem mais professor. Então, não se resolve o problema da falta de professor, sacrifica-se a formação do jovem para resolver cinicamente, para tapar o problema da falta de professores. Aí entra também o problema da carreira do magistério que, igualmente, não é atraente para o professor. Aí isso deixa de ser uma preocupação. Nem a reforma do Fernando Henrique chegou a tanto, até porque isso aqui é muito pior do que a reforma do governoFHC. Agora piorou porque reduziu. Agora você pode ampliar a carga horária largamente na formação técnico profissional, com a inversão completa dos valores: um ensino médio que enfatiza a formação técnico-profissional em detrimento da formação geral. Exatamente o contrário, radicalmente o oposto do que se buscou na discussão da LDB, do que se conseguiu com a concepção do ensino médio integrado.
O texto fala em sistema de créditos no ensino médio e também em convalidar o que foi aprendido no ensino médio para o ensino superior. Essas mudanças atendem à mesma lógica do aligeiramento da formação?
É a mesma lógica da racionalidade. Esse aproveitamento de créditos do ensino médio no ensino superior é uma idiossincrasia, uma incoerência nunca vista antes na legislação educacional, que é o nível superior validar como equivalente um aprendizado obtido no nível anterior. Vamos supor que eu cheguei ao ensino superior: ‘ah, mas isso que você estudou aqui é equivalente ao que nós vamos estudar agora como nível superior, então não precisa fazer’. Então, tem uma incoerência interna na organização do conhecimento, de forma a desconsiderar os motivos da existência de etapas em níveis de ensino. Isso só pode ser explicado, no meu ponto de vista, em razão de uma economicidade, de um racionamento de conhecimento.
Além de estar diminuindo a formação básica no ensino médio, você também diminui no ensino superior, porque convalida o que foi aprendido antes. Tem outro artigo da MP que diz que o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum, a fim de estimular prosseguimento de estudos. Quer dizer, você pega uma etapa de formação que é de formação básica, uma etapa na qual o sujeito ainda está em formação, e fatia. Legaliza formas fragmentárias da construção curricular para estudantes que estão numa faixa etária cuja autonomia ainda não necessariamente corresponde a sua possibilidade de escolhas e definições. Você pode dizer assim: ‘ah, mas isso em relação ao adulto pode ser uma coisa interessante’. Bom, há que se discutir, pode ser interessante para o adulto, para o adulto que já tem maturidade, já tem períodos escolares vivenciados anteriormente, mas aqui isso está generalizado.
A MP apresenta também soluções criativas de possibilidades de reconhecimentos de saberes, como por meio de demonstração prática, experiência de trabalho, etc.. Quais podem ser as consequências disso?
Esse outro aspecto do reconhecimento de formação não escolar, digamos, é algo anunciado já desde a LDB, mas não no nível em que se coloca agora. O que se apresenta agora é que os sistemas poderão reconhecer mediante regulamentação própria, então não tem parâmetro nacional como já se teve, por exemplo, a Rede Certifique na educação profissional. Criticar essa equivalência não é a mesma coisa que dizer que um é melhor ou superior que o outro, mas é dizer que os saberes são diferentes e a própria validade e pertinência do conhecimento prático, da experiência cotidiana, precisa ser confrontada pela relação com o conhecimento sistematizado. A MP torna equivalentes atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino, cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais, estudos relacionados a instituições de ensino nacionais e estrangeiros, educação à distância, e educação presencial mediada por tecnologias, além da experiência prática e de atividades de trabalho. Em última instância, levada às últimas consequências, considerando a restrita carga horária das 1.200 horas da Base Nacional Comum, e considerando ainda que esse aproveitamento pode se dar, inclusive, em relação à Base — porque o texto não diz diferente —, a gente pode supor que um estudante poderia concluir o ensino médio sem nunca tê-lo cursado como etapa da educação básica efetivamente.
Esse esforço da MP em garantir a formação no ensino médio ao custo da perda de qualidade pode ser interpretado como uma forma de zerar o número de jovens que ainda estão fora dessa etapa de ensino?
Exatamente. Porque você torna a possibilidade de certificação, de conclusão de estudos muito ágil, fácil e rápida. Então, pode-se conseguir elevar os números de conclusão de ensino médio muito rapidamente. Você pode ter escola mínima, com instalações mínimas, para uma formação igualmente mínima. É a minimização em todos os sentidos. Sabe o que é liofilização? Tirar água, drenar. O processo é esse, você está ressecando o ensino médio, está liofilizando, tirando o conteúdo dele e vai deixar uma massa de sobra. Uma outra coisa brutal é acabar com a exigência das licenciaturas para os professores, que também responde à falta de professores. A gente falou que o sistema pode optar pelo itinerário para o qual ele tem mais professores e deixa de ter que resolver o problema com falta de professores em outras áreas. Mas no artigo 61, inciso 4, a MP diz que nem a licenciatura se torna necessária para a educação profissional.
Isso já é possível hoje para a educação profissional?
Não, ao contrário, a LDB exigiu que todos os professores tivessem licenciatura. Isso foi possível na 5.692/71. Veja como é um retorno. Como não se tinha professores para todas as áreas técnicas, a 5.692, quando tornou a profissionalização compulsória, abriu o precedente de poder contratar como professor aquele que não tivesse licenciatura, mas que fosse especializado na área, com notório saber. Depois colocou-se a necessidade da formação pedagógica, que era um esquema para quem tinha só formação técnica de nível médio, e iria ser professor, e um outro esquema para quem tinha o nível superior em uma área, mas não tinha licenciatura. Durante muito tempo o sistema funcionou assim, até que na verdade os próprios esquemas acabaram e as instituições validaram que, desde que fizessem concurso e respondessem pelas exigências, poderia se não ter a licenciatura.
Essa ideia de que temos hoje um currículo exagerado com 13 disciplinas obrigatórias e que se aprende na escola muita coisa inútil, é recorrente. Após o anúncio da reforma pelo governo, esse foi o tom de alguns analistas na imprensa. Nesse sentido, não é um risco essa reforma ser atrativa para a sociedade?
Claro. Esse discurso pega o que já é criticado, que é a fragmentação por dentro do currículo. Por que a gente defende a integração? Ao invés de ter um tempo de matemática, outro de português, você vai tendo organizações em que as disciplinas dialogam umas com as outras. E ainda que você tenha 13 campos científicos, você tem um trabalho articulado entre eles, não são 13 aulas separadas em que uma não tem nada a ver com a outra, com mais 13 provas, com mais 13 exercícios para a casa. Então, é sempre o problema das reformas: eles pegam o fenômeno, a superfície, não vão até a raiz. E aí trazem a solução fácil. Isso aqui é um pacote de facilidades e por isso pode passar. É atrativo para o jovens e essa é a maior ironia, porque ele não pode se pensar como alguém maior, que amplie os seus direitos, os seus horizontes, ele tem que se pensar no mínimo, no instrumental. Isso é tipicamente a pós-modernidade, o efêmero, o rápido. De sólido não tem nada.


Fonte: Revista IHU Online - Instituto Humanitas Unisinos http://bit.ly/2dpJgxo

Desafios para o próximo período: um plano de carreira que valorize os professores.

Plano de Carreira: Em 2009, o Plano de Carreira então vigente é extinto. Em 2011, um novo Plano de Carreira é aprovado, porém muito abaixo das necessidades da categoria. Ele cria empecilhos para a progressão. Exemplo: um professor que recebe apenas uma falta não justificada num período de cinco anos, perde o direito a esta.

Cada avanço de nível ocorre em um intervalo de cinco anos. Exemplo: Quem ingressa na rede com doutorado consegue após cinco anos ter o avanço da especialização, mais cinco até ter do mestrado e outros cinco para o doutorado (total 15 anos). Em outras redes, quando apresenta o diploma, já recebe a progressão relativa à formação, imediatamente. ("16 de agosto: Relato da reunião com o executivo." http://bit.ly/2dpBEe8)

Reclassificação: O artigo 50 do Plano de Carreira vigente afirma que quem ingressou na rede com base na lei 2050/2009, com formação de nível médio, na modalidade magistério ou normal, deveriam ter os respectivos vencimentos padrões automaticamente reclassificados para a faixa de vencimentos correspondente ao nível de formação superior, tão logo comprovada formação e desde que cumprido estágio probatório. Já passaram mais de três anos que centenas de professores tem direito a esta reclassificação, que segue sem solução. ("Reclassificação: Novela sem fim." http://bit.ly/2dddVBa)


Desvalorização da Educação Infantil: Neste Plano de Carreira também percebemos uma desvalorização da Educação Infantil muito grande. Professores que entraram na rede através do Ensino Médio, na modalidade magistério ou normal, posteriormente aos que ingressaram com base na lei 2050/2009, não tem direito a reclassificação. Ou seja, A progressão de nível se dará de cinco em cinco anos, recebendo apenas 5% em cada progressão. Desta forma, o salário nunca se igualará ao dos demais professores com a mesma formação. ("É preciso falar da Educação Infantil do município de NH" http://bit.ly/2cEOSCV)

A hora-atividade que precisamos!

Como já publicado anteriormente pelo sindicato, no debate entre os candidatos exibido na TVE, o atual prefeito e candidato a reeleição afirmou que os professores tem 1/3 de hora-atividade. Já no debate promovido pelo sindicato, ele afirma que está em processo de implementação, através da Circular nº 01/2016, publicada, em 03 de março. Desde sua publicação, o sindicato afirma que continha falhas e não representa o 1/3 de hora-atividade. (“Professores não tem garantia da hora-atividade”, em 22/09/2016, http://bit.ly/2dhoxNZ ). No debate de ontem, promovido pelo Grupo Sinos, o prefeito não se pronunciou sobre este assunto.

A Lei do Piso, aprovada em 2008, foi resultado de uma ampla mobilização. Apesar de ter recebido este apelido, a lei 11738/2008 é muito mais do que a implantação do piso nacional para os professores. Ela também delibera sobre qualidade na educação. Um destes pontos é que 33,33% (1/3) da carga horária do professor seja com a chamada hora-atividade. Mesmo aprovada há anos, nunca foi aplicada integralmente em Novo Hamburgo e está na pauta do sindicato desde esta aprovação. Para a aplicação desta lei, precisamos de, no mínimo, mais um período de hora-atividade (6º período). Está na pauta, também, que parte deste planejamento seja à distância, semanalmente. Por exemplo: para quem tem 20 horas semanais, teria direito a 6 períodos (já que 1/3 de 20 é 6,66) de hora-atividade. Destes, 4 períodos semanais (um turno) seria a distância e o restante cumprido na escola. Esta já é uma realidade em muitos municípios.

Falta de Professores: um problema “crônico” que precisa ser resolvido na origem

Desde a implantação do novo Plano de Carreira, em 2011, a rotatividade dos professores só tem aumentado. Profissionais desvalorizados, sem reconhecimento de sua formação e desmotivados. A Rede Municipal de Ensino deixou de ser o destino de muitos, como era anteriormente, para ser apenas uma passagem de professores, até “encontrar um local melhor”. É lamentável, pois este é um retrocesso na educação de NH. Contribuem também para a falta de professores a falta de um planejamento efetivo em relação aos professores em vias de aposentadoria e os altos índices de reprovações nos exames admissionais (médicos e psicotécnicos). Sobre o primeiro ponto, não é raro recebermos relatos de escolas em que professores se aposentam sem ter quem o substitua, mesmo já tendo a previsão há meses de seu afastamento. É preciso garantir a rápida reposição deste profissional.

Já o segundo ponto, se refere ao alto número de inaptidões nos exames médicos e psicotécnicos de admissão. Temos acompanhado de perto esta situação, inclusive dando suporte aos professores considerados inaptos. Percebemos não haver critérios claros, falta de transparência por parte dos avaliadores e descaso por parte do IPASEM, responsável pelos exames. Já tentamos interceder junto ao Instituto para que estes reprovados tenham direito ao recurso administrativo, podendo contestar tal resultado, porém foi negado pela direção, restando o acionamento judicial.


Portanto, precisamos que as demandas oriundas das escolas sejam rapidamente resolvidas pela Administração Municipal, com a realização de concursos públicos periódicos e com o rápido chamamento dos aprovados, além de garantir professores substitutos e apoio em todas as escolas.

Assédio Moral: governo não pode ser omisso com estes casos.

É recorrente as denúncias e pedido de auxílio ao SindprofNH de professores e trabalhadores em educação que sofrem Assédio Moral nos espaços em que atuam. Assédio Moral é uma das formas de violência no trabalho. Ela pode constranger, humilhar e até causar danos a saúde física e mental do trabalhador, além de prejudicar o desenvolvimento das atividades e o próprio ambiente de trabalho. A fim de coibir o Assédio Moral nos espaços educacionais da Rede Municipal é necessária uma legislação especifica, demanda que faz parte da pauta de revindicações já há alguns anos. Um exemplo de legislação municipal é no município de Caxias do Sul, que dispõe de Lei Complementar desde 2014 que inibe Assédio Moral nas instituições públicas municipais.

O Sindicato está à disposição dos colegas que se sentirem assediados. Podem procurar pessoalmente, ou ligar para 3036-1455 ou através do e-mail sindprofnh@gmail.com .

Jornal do Comércio: "Escola Sem Partido é impossível de ser aplicado", diz Penna

EDUCAÇÃO
 Notícia da edição impressa de 13/09/2016. Alterada em 13/09 às 15h30min
'Escola Sem Partido é impossível de ser aplicado', diz Penna

Para Penna, projeto impede função da escola como espaço de construção da cidadania

FREDY VIEIRA/JC
Isabella Sander

Um dos principais críticos ao Projeto de Lei (PL) Escola Sem Partido no Brasil, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando de Araújo Penna ministrou ontem uma palestra sobre o assunto na sede do Cpers/Sindicato, em Porto Alegre. O PL tramita, em âmbito nacional, tanto na Câmara de Deputados, com texto de autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), quanto no Senado, com proposta do senador Magno Malta (PR-ES). Também há projetos em diversos estados e municípios. Em Alagoas, a lei foi aprovada, mas ainda não tem regulamentação. O texto também já vigora nas cidades de Santa Cruz do Monte Castelo (Paraná) e Picuí (Paraíba). No Rio Grande do Sul, a proposta que tramita é de autoria do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP). Penna, contudo, defende que há elementos do Escola Sem Partido impossíveis de se colocar em prática.
Jornal do Comércio - Qual contexto propiciou o fortalecimento de iniciativas como o Escola Sem Partido?
Fernando de Araújo Penna - O movimento como um todo é de 2004. Não é coincidência que seu início coincida com o começo dos governos federais do PT, mas ele ganhou força mesmo em 2014. Alguns pesquisadores têm falado já em uma onda conservadora. Esse momento de movimentos mais conservadores ajudou bastante a espalhar esse projeto para o Brasil inteiro.
JC - Quais seriam as consequências da aprovação do projeto?
Penna - É um movimento que afirma que o professor não pode discutir a realidade do aluno, não pode discutir valores. Se ele for implantado, a escola, enquanto espaço para construção da cidadania e de debate, está duramente ameaçada. Um dos artigos do PL 867/2015, que tramita na Câmara de Deputados, diz que está vedado professores realizarem qualquer atividade que vá contra as convicções religiosas ou morais do aluno. Isso impediria a escola de discutir toda uma gama de assuntos importantes para a construção da cidadania.
JC - De que maneira essas atitudes seriam fiscalizadas?
Penna - Um dos recursos criados pelo projeto é um canal de denúncia anônima entre alunos e a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). A Seduc levaria as denúncias ao Ministério Público, que ficaria encarregado das ações legais. Imagine um professor dando aula temeroso do que está falando e até de como será interpretado, porque o aluno não vai dialogar com ele com relação ao que está achando estranho, mas vai fazer uma denúncia anônima? Se você tem algum problema com o que está sendo dito, fale com o professor. Se não há dialogo, fale com outro professor. A escola já possui esses mecanismos, não é necessário um canal de denúncia anônima. Só cria clima de denuncismo, com professores com medo de abordar assuntos importantes para a formação do aluno, por medo de repercussões. A Lei nº 10.639, por exemplo, tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Algumas pessoas veem as culturas afro-brasileiras como temas que não devem ser discutidos. Então, se você tiver um aparato legal, você terá proibição de falar de outras culturas, o que para mim é gravíssimo.
JC - Há exemplos de modelos estrangeiros nesse sentido?
Penna - O movimento Escola Sem Partido foi criado com base em um site norte-americano chamado No Indoctrination, um site de denúncias. Legalmente, eu não conheço nenhuma iniciativa em outros países, nem mesmo a ditadura militar investiu muito em instrumentos legais para coagir o professor. 
JC - É possível implementar integralmente o Escola Sem Partido?
Penna - A aplicação de alguns elementos do projeto é impossível. Quando dizem que é vedada a abordagem em sala de aula de algum assunto que possa provocar conflito com as crenças morais e religiosas das famílias, isso é impossível de se aplicar. Uma sala de aula tem 40, 50 alunos com as mais diferentes crenças, valores. Se o professor tiver medo de entrar em conflito com qualquer uma delas, ele não vai falar sobre absolutamente nada.
JC - Como o senhor propõe o combate ao projeto?
Penna - É complexo, pois a linguagem que eles usam é muito próxima do senso comum. O próprio nome faz uma separação entre escola com partido ou sem, só que não é isso que está em questão. É um projeto que remove da escola seu caráter educacional. Eles usam a linguagem de redes sociais de forma muito eficaz. Por isso é importantíssimo debater com a sociedade civil, produzir textos que pais, alunos e interessados de maneira geral possam ler e se informar, para entender realmente o que é realmente o Escola Sem Partido. Eles dizem que defendem o pluralismo de ideias. Porém, se você vai ver a atuação do movimento, é incompatível com a descrição. É importante levar a questão não só para as universidades, mas para a sociedade civil como um todo.
JC - Qual o principal ponto que o senhor é contrário nesse projeto?
Penna - O projeto versa sobre a ética profissional do professor, mas em nenhum momento incluiu o professor na sua elaboração e mesmo na sua tramitação. Isso já tira a legitimidade da iniciativa. No entanto, uma vez arquivado o Escola Sem Partido, teremos uma boa oportunidade de rever o que é a escola para nós e quais são os limites éticos do professor. A escola não pode excluir uma prática ou outra, tem que ser um espaço de diálogo. Todas as crenças devem ser vistas como forma de cultura, e ninguém pode se negar a dialogar ou aprender sobre nenhuma outra cultura, e essa dimensão fica seriamente ameaçada com o projeto.

Fonte: Jornal do Comércio http://bit.ly/2cCboMG

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

ATENÇÃO: Divulgada pesquisa de intenção de voto para prefeito de NH

O Instituto Amostra divulgou, pela primeira vez nestas eleições, uma pesquisa com as intenções de voto para prefeito de Novo Hamburgo. Confira a publicação do Instituto Amostra:

"Eleição ainda indefinida em Novo Hamburgo. Nesse momento, dois ex-prefeitos aparecem à frente nas pesquisas, com uma situação de empate técnico muito ímpar.
Paulo Ritzel-PMDB aparece com 24,2% das intenções de voto e Airton dos Santos-PV com 23,7% das intenções de voto. A disputa entre os dois se mantém desde o início do processo eleitoral.
A terceira colocada, Fátima Daudt-PSDB, é um nome novo na política local e tem tido bom desempenho. Até esse momento, Fátima aparece com 16,5% dos votos."

Confira a íntegra da pesquisa:


Fonte: Instituto Amostra http://bit.ly/2cCboMG

É preciso falar da Educação Infantil do município de NH

Uma das faces da Educação que mais precisa de atenção e transformação em Novo Hamburgo é a Educação Infantil.
Desde 2012, muitos/as professores/as que são nomeados/as para essa modalidade de ensino em nossa cidade se exoneram.
Mas por quê? Porque os/as profissionais que atuam com a Educação Infantil não ganham igual a um professor de ensino superior depois que se formam. Exige-se, segundo o novo Plano de Carreira, para trabalhar com a EI apenas o magistério, como se essa etapa da educação básica fosse menos importante que todas as outras, como se as crianças pequenas necessitassem de profissionais menos preparados para realizar o trabalho com elas. Então, quem se forma na Universidade, quem tem especializações, está deixando Novo Hamburgo para assumir a docência em outros municípios, uma vez que o atual plano de carreira não reconhece a formação dos/das professores/as da Educação Infantil.
Pode-se dizer que tal situação também representa um quadro de desvalorização à mulher, uma vez que, segundo dados do MEC, 97% dos professores da Educação Infantil são mulheres e é justamente o nível de ensino em que as profissionais são menos reconhecidas no município.
Outra questão é que as escolas, principalmente as de Ensino Fundamental, necessitam passar por uma boa adaptação arquitetônica para atender as crianças da faixa etária da Educação Infantil com qualidade, como: banheiros adequados, mobiliários adequados, salas de aula e espaços adequados para o tamanho e a necessidade das crianças da primeira infância.

Terceirização das EMEIs:

Das trinta e três escolas de Educação Infantil, doze são terceirizadas.
No caso da terceirização, não há concurso público para os profissionais da educação. Portanto as condições de trabalho ficarão piores do que as que já existem. Os salários dos professores são diminuídos (ainda mais), já que a preocupação da empresa será com o lucro obtido e não com a construção do conhecimento. Isso gera desinteresse dos profissionais, assim aumentando seu estresse e diminuindo a qualidade da preparação das aulas e modelo de ensino-aprendizagem defasado
Não havendo concurso público, o caminho ficaria aberto para a contratação de pessoas menos capacitadas e/ou influentes à gerência da empresa administradora. É dinheiro público, lembre-se.
O professor perde a autonomia que caracteriza sua profissão. Para não ser demitido terá que seguir os mandos e desmandos do empresário responsável pela gestão da escola, que muitas vezes não entende nada sobre ensino.

Sem contar no impacto que a terceirização causa na previdência dos servidores, uma vez que estes funcionários não contribuem com o Regime Próprio. Quanto maior o número de terceirizados e contratados, mais enfraquecida será a nossa previdência.

Nova Escola: Como avaliar as propostas dos candidatos para a área de Educação?

Saiba quais os três passos a seguir antes de digitar “confirma” no dia 2 de outubro

por:
Laís Semis
09 de Setembro 2016 - 17:20
Caixa de madeira com uma abertura superior onde um braço de um homem de camisa longa bege deposita um papel escrito "educação". Ao lado da caixa, três balões trazem escrito a palavra "vote"

“Construir 250 creches”, “incluir todas as crianças com deficiência na escola”, “resgatar o legado de Paulo Freire”, “fomentar a discussão de identidade de gênero nas aulas”. No período eleitoral, a Educação é alvo de muitas promessas. Mas será que as propostas do seu candidato a prefeito ou vereador são mesmo condizentes com o cargo que ele vai ocupar se for eleito e com as necessidades de onde você mora? Como identificar uma “promessa-ostentação” que tem números grandes ou de motivos nobres, mas é impossível de ser realizada durante uma gestão? Preparamos um pequeno guia para ajudar você nesta investigação.
  1. Investigue as propostas
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permite consultar informações sobre todos que estão disputando uma vaga a prefeito, vice e vereador do país. Ainda não está tudo completo, mas, segundo a assessoria de imprensa do TSE, as informações que faltam não foram atualizadas pelos candidatos e devem ser normalizadas em breve.

Para quem mora nas capitais, um bom site para comparar os planos de governo é oMeu Voto, do Projeto Brasil. Nele, é possível comparar o que propõe até três concorrentes a prefeito em áreas específicas.

Mas, atenção, não basta olhar para um único tópico da lista. As políticas educacionais dos futuros gestores devem considerar todas as etapas de ensino e os agentes envolvidos. “Muitos olham para a questão da creche e pré-escola, por cobrança dos pais, mas a obrigação é mais ampla. Por exemplo, o prefeito promete zerar as creches, mas ele consegue fazer isso ao mesmo tempo em que valoriza a carreira docente e aumentar a oferta de Educação Integral? Fica muito fácil alçar um ponto e desconsiderar o conjunto dos desafios, o que é um erro”, comenta Salomão Ximenes, membro da Ação Educativa e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC). O eleitor também precisa estar atento em como se pretende arrecadar recursos para implementar as ideias apresentadas.

Subjetividade também entra em jogoNo caso de medidas menos palpáveis, como por exemplo “empoderar as escolas”, “resgatar o legado de Paulo Freire para a Educação” ou “fomentar a discussão de identidade de gênero ”, o que se pode considerar disso? Para Salomão, apesar de não expressarem um planejamento detalhado, elas apresentam o viés político, ideológico e de prioridade daquele candidato, o que permite identificar o perfil dele e a linha que pretende trabalhar.

Andréa Barbosa Gouveia, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais (NUPE), ressalta que também é tarefa dos eleitores considerarem quem está comprometido com os direitos constitucionais. “Um projeto que leve em conta gestão democrática com participação, combate à discriminação e pluralidade de pensamento pedagógico traz compromissos básicos que ainda que sejam menos palpáveis do ponto de vista financeiro são muito concretos do ponto de vista do desenvolvimento e formação dos estudantes e mostram um compromisso com o diálogo”, diz.

Ao votar, elegemos uma chapa que trabalhará conjuntamente. Por isso, vale também considerar o que pensa o vice. Verifique qual é o histórico dele, se já ocupou outros cargos públicos e, que projetos realizou ou apoiou. 
  1. Comunique-se e tire dúvidas
Alguns sites de campanhas trazem a possibilidade de envio de sugestões e perguntas. Outros candidatos estão disponíveis em redes sociais como o Facebook. Aproveite estes canais para colocar suas dúvidas. Você também pode encontrá-los em eventos presenciais, que, usualmente, são divulgados antecipadamente. Converse, questione e não tenha receio de mudar de ideia se perceber que o discurso ao vivo não bate com o que você tinha lido nos documentos oficiais.

Vale, também, consultar a opinião e as orientações de instituições especializadas. A análise delas pode qualificar a avaliação que você vai fazer. Em São Paulo, por exemplo, o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI) pediu o detalhamento de propostas para todos que estão disputando a Prefeitura. O pedido é que eles respondam por escrito e em uma entrevista coletiva.
  1. Conheça os dados sobre a sua cidade
Depois que tiver clareza sobre o que o candidato se propõe a fazer, você precisa conferir se isso faz sentido para a sua cidade. Um bom parâmetro é o Plano Municipal de Educação (PME), que estabelece metas que as cidades precisam cumprir nos próximos dez anos. “Ele pode ser tomado como eixo central para analisar as propostas. É preciso saber em que medida elas guardam coerência com o que está previsto no Plano”, diz Salomão. “Se o PME foi aprovado em 2015, como previsto, isso significa que o próximo prefeito vai conduzir seu mandato durante a vigência dele. Então, essa gestão precisa dar sequência às diretrizes do plano municipal e integrar as várias áreas previstas nele no planejamento e nas leis orçamentárias”, esclarece.

IDE (Indicadores Demográficos e Educacionas), um site sistematizado pelo Ministério da Educação (MEC), permite ver o perfil da população e da rede de ensino. Apesar dos dados serem referentes ao ano de 2014, o eleitor consegue verificar as taxas de escolarização dos municípios, o desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e em avaliações como a Prova Brasil, o número de escolas por etapa de ensino na rede municipal, as matrículas e a média de alunos por turma.

QEdu dá acesso a dados de aprendizado, Ideb, Censo Escolar e informações detalhadas sobre a comunidade escolar. Os dados de infraestrutura do Censo Escolar indicam a porcentagem de alcance de cada um dos serviços, como acessibilidade, alimentação e tratamento de esgoto.

No DeepAsk é possível conferir dados sociais e demográficos das cidades brasileiras. Basta selecionar a cidade, optar por Dados Sociodemográficos e, na sequência, clicar em Educação. O site permite conferir informações sobre analfabetismo, escolaridade e Ensino Básico e Superior.   
Um exemplo prático Para mostrar como esses três passos se dão na prática, vamos pensar em uma chapa que apresente a promessa de “Construir 250 creches”. Como avaliar se esse é um bom número? “Se o PME indica que o município precisa de 1000 creches em dez anos e o candidato se propõe a fazer 250 em quatro, podemos dizer que essa é uma meta boa pois se enquadra na perspectiva do que se espera daquele município a médio prazo”, explica Andréa Gouveia. No entanto, se a previsão for de que sejam construídas 250 creches ao fim do prazo do PME e o candidato promete dar conta dessa demanda durante seu mandato, é preciso questionar. Como ele vai dar conta disso em tão pouco tempo? Que recursos estão disponíveis para que isso seja possível? Há terrenos suficientes? Existe uma perspectiva de contratar profissionais para trabalhar em todos esses locais? 

Finalmente, para saber se a promessa é apenas para construir impacto ou se é de fato plausível, há que se considerar a demanda. O município tem muitas crianças de 0 a 3 anos esperando por vaga na creche? Existe uma estrutura que permita a construção de novas escolas e a efetiva implantação delas? Salomão reitera que o eleitor deve olhar para os detalhes das medidas concretas. “A população não pode se dar por satisfeita com questões genéricas. É o detalhamento que mostra se aquele candidato tem uma proposta efetiva ou se ela é só o início de um planejamento”, conclui.

Fonte: Nova Escola http://bit.ly/2d5edt3

Portal CNTE: Análise da MP da Reforma do Ensino Médio



Análise da Medida Provisória nº 746, que trata da 

Reforma do Ensino Médio

Publicado em Sexta, 23 Setembro 2016 18:01
*Texto atualizado em 26/09/16, após a constatação de que o MEC manterá excluídas as disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia do currículo do ensino médio.

Em 22 de setembro de 2016, em ato solene no Palácio do Planalto, o presidente golpista Michel Temer e o ministro da Educação igualmente golpista Mendonça Filho apresentaram o conteúdo da Medida Provisória nº 746, de 22/09/16, que visa reformular o formato e o conteúdo pedagógico da etapa escolar do ensino médio.
Primeiramente, é preciso destacar o expediente antidemocrático usado pelo governo golpista para tratar de um tema de tamanha relevância social. A medida provisória, que tem força de lei na data de sua publicação e prazo de até 120 dias para aprovação no Congresso, não se encaixa nas condições legais, jurídicas ou morais para esse tema de imensa importância para a vida de milhões de pessoas das atuais e futuras gerações. Na verdade, ela apenas escancara o desejo do atual governo em limitar o acesso da população e das entidades educacionais sobre as decisões em torno da reforma do ensino médio, e a CNTE tomará providências jurídicas para suspender seus efeitos no Supremo Tribunal Federal, o mais brevemente possível.

Sobre o conteúdo, a reforma do MEC tem um objetivo central – reduzir a aprendizagem dos estudantes aos ditames do mercado e fomentar a privatização das escolas e a terceirização de seus profissionais.
Com relação ao currículo, a reforma empobrece o ensino médio retirando as disciplinas de artes, educação física, sociologia e filosofia. E por mais que o governo diga que essas disciplinas comporão a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), fato é que os sistemas de ensino, encarregados em implementar a base, poderão ou não inclui-las em seus currículos do ensino médio, uma vez que a LDB não os obrigará e o orçamento público ficará mais enxuto sem a contratação de professores para essas áreas. Trata-se, portanto, de economia sobre a formação dos jovens brasileiros.
A MP 746 traz de volta a dicotomia entre formação geral humanística e a profissional – lançada pelo Governo FHC com o Decreto 2.208/97 –, mas vai além ao propor também a separação entre a base comum nacional e as áreas de ênfases do conhecimento: linguagens, matemática, ciências humanas e naturais e ensino técnico profissional.
Neste sentido, a MP rompe com as diretrizes curriculares nacionais do ensino médio e da educação técnica profissional, que defendem a integração dos currículos escolares, sem distinção de blocos de modo a privilegiar a “interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos”. O parágrafo 2º do art. 8º da Resolução CNE/CEB 2/2012 é taxativo ao dizer que “a organização por áreas de conhecimento não dilui nem exclui componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados, mas implica no fortalecimento das relações entre eles e a sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores”.
Contudo, a petulância dos arautos do déspota golpista foi além. Tratou de revogar tacitamente as mencionadas resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), repassando ao MEC, por meio do § 2º do art. 36 (versão da MP), o poder supremo para emanar as diretrizes que devem pautar a construção dos “projetos de vida” dos estudantes e sua “formação sob os aspectos cognitivo e socioemocionais” – veja a carga individualista e limitadora que se pretende lançar sobre os currículos do ensino médio!
Ainda sobre o currículo, e não obstante o problema da dicotomia imposta na MP, é de se imaginar como os sistemas estaduais – que visitam constantemente o MEC com “pires na mão” – conseguirão implementar as áreas de conhecimentos específicos com a qualidade pretendida pelos estudantes, pais, trabalhadores em educação e sociedade em geral. Talvez por isso a MP tenha sido generosa (ou astuta!) em autorizar aos sistemas de ensino a implementação de uma, e só se possível mais de uma área com ênfase em conhecimentos específicos. Muitos estudantes certamente ficarão sem cursar suas áreas de preferência na escola pública, pois os sistemas de ensino não serão obrigados a oferecerem as cinco áreas de aprofundamento. E como ficarão os jovens nesta situação? Terão que pagar escola privada? Receberão vouchers dos governos?
Outra intenção da reforma é reduzir o conhecimento obrigatório dos estudantes do ensino médio público à língua portuguesa e à matemática – únicas disciplinas a serem ministradas obrigatoriamente nos três anos do ensino médio –, a fim de melhorar as notas nos testes estandardizados (nacionais e internacionais) e de quebra fomentar a formação de mão de obra barata e despolitização dos sujeitos (mesmo objetivo da reforma educacional de 1990, porém à época o foco era o ensino fundamental). A desproporcionalidade entre a formação geral e os conhecimentos específicos – podendo a primeira nem atingir 1/3 (um terço) do currículo geral, caso a jornada do ensino médio chegue a 4.200 horas (ou 7 horas diárias em 200 dias letivos) – reforça a concepção alienadora da formação da juventude.
No contexto geral, a reforma do ensino médio se mostra estreitamente alinhada com outras iniciativas retrógradas do governo golpista, a exemplo da Lei da Mordaça, da PEC 241, que limitará as despesas da União em áreas sociais – inclusive na educação –, da privatização das escolas e da terceirização dos profissionais da educação por meio de OSs (e a MP prevê contratar professores por notório saber, sem concurso público), da reforma da previdência e da flexibilização e redução de direitos trabalhistas, comprometendo, portanto, não só os estudantes, mas também os trabalhadores em educação. Ela se insere num projeto político pensado pelas elites para consolidar o poder que perderam por mais de uma década e que não podem correr o risco de perdê-lo novamente. E para isso é preciso investir na alienação política e na instrumentalização superficial da grande massa de jovens que frequenta a escola pública (85% das matrículas do ensino médio são da escola pública).
Com relação a expansão da carga horária, a reforma prevê instituir política (mas na verdade é programa) de repasse de recursos da União diretamente às escolas que implementarem o currículo mínimo e o ensino de tempo integral. Mas nesse ponto há um blefe, pois não existe garantias de que os recursos seguirão de fato para as escolas, tampouco em que quantidade. O § 2º do art. 6º da MP é claro: “A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.” (grifo nosso)
Extraoficialmente, foi divulgado que até 2018 serão repassados R$ 1,5 bilhão na forma de estímulo aos estados, o que representa menos de 10% da complementação da União ao Fundeb neste ano de 2016 – ou seja, muito pouco dinheiro! Com essa quantia pretende-se atender até 500 mil estudantes em tempo integral, sendo que o investimento per capita por aluno será de R$ 3.000,00, abaixo do praticado em 2016 no Fundeb (R$ 3.561,74).
A privatização e a terceirização das escolas se mostram claras na MP. Primeiro, cria-se mais um segmento profissional (sem necessidade de habilitação) dentro da categoria dos trabalhadores em educação (art. 61 da LDB). Para a contratação desses profissionais bastaria a comprovação de “notório saber”, o que reforça a afronta a um dos princípios da qualidade da educação já mitigado pela Lei das Organizações Sociais. Depois admite-se o repasse de parte da ajuda federal aos estados para pagamento de bolsas de estudo na rede privada. E por último, ao limitar a “ajuda” da União aos estados em no máximo 4 anos – depois disso os entes estaduais terão que arcar com as despesas integrais das “novas escolas” –, abre-se caminho para as parcerias público-privadas sobretudo pela via já pavimentada das OSs.
A MP não se refere ao ensino noturno ou à regulamentação do CAQi e CAQ, como forma de equalizar as condições de acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes do ensino médio. Também não aborda outras questões indispensáveis à qualidade, a exemplo da limitação do número de estudantes por sala de aula, do acesso prioritário dos jovens de baixa renda no ensino de tempo integral, da formação e valorização dos profissionais da educação, dentre outras.
A CNTE espera suspender nos próximos dias a eficácia da Medida Provisória, possibilitando a abertura de um debate amplo e democrático com a sociedade a respeito do tema.