EDUCAÇÃO
Notícia da edição
impressa de 13/09/2016. Alterada em 13/09 às 15h30min
'Escola
Sem Partido é impossível de ser aplicado', diz Penna
Para
Penna, projeto impede função da escola como espaço de construção da cidadania
FREDY VIEIRA/JC
Isabella
Sander
Um dos
principais críticos ao Projeto de Lei (PL) Escola Sem Partido no Brasil, o
professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando de Araújo Penna
ministrou ontem uma palestra sobre o assunto na sede do Cpers/Sindicato, em
Porto Alegre. O PL tramita, em âmbito nacional, tanto na Câmara de Deputados,
com texto de autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), quanto no
Senado, com proposta do senador Magno Malta (PR-ES). Também há projetos em
diversos estados e municípios. Em Alagoas, a lei foi aprovada, mas ainda não
tem regulamentação. O texto também já vigora nas cidades de Santa Cruz do Monte
Castelo (Paraná) e Picuí (Paraíba). No Rio Grande do Sul, a proposta que
tramita é de autoria do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP). Penna, contudo,
defende que há elementos do Escola Sem Partido impossíveis de se colocar em
prática.
Jornal do
Comércio - Qual contexto propiciou o fortalecimento de iniciativas como o
Escola Sem Partido?
Fernando
de Araújo Penna - O movimento como um todo é de 2004. Não é coincidência
que seu início coincida com o começo dos governos federais do PT, mas ele
ganhou força mesmo em 2014. Alguns pesquisadores têm falado já em uma onda
conservadora. Esse momento de movimentos mais conservadores ajudou bastante a
espalhar esse projeto para o Brasil inteiro.
JC -
Quais seriam as consequências da aprovação do projeto?
Penna - É
um movimento que afirma que o professor não pode discutir a realidade do aluno,
não pode discutir valores. Se ele for implantado, a escola, enquanto espaço
para construção da cidadania e de debate, está duramente ameaçada. Um dos
artigos do PL 867/2015, que tramita na Câmara de Deputados, diz que está vedado
professores realizarem qualquer atividade que vá contra as convicções
religiosas ou morais do aluno. Isso impediria a escola de discutir toda uma
gama de assuntos importantes para a construção da cidadania.
JC - De
que maneira essas atitudes seriam fiscalizadas?
Penna - Um
dos recursos criados pelo projeto é um canal de denúncia anônima entre alunos e
a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). A Seduc levaria as denúncias ao
Ministério Público, que ficaria encarregado das ações legais. Imagine um
professor dando aula temeroso do que está falando e até de como será
interpretado, porque o aluno não vai dialogar com ele com relação ao que está
achando estranho, mas vai fazer uma denúncia anônima? Se você tem algum
problema com o que está sendo dito, fale com o professor. Se não há dialogo,
fale com outro professor. A escola já possui esses mecanismos, não é necessário
um canal de denúncia anônima. Só cria clima de denuncismo, com professores com
medo de abordar assuntos importantes para a formação do aluno, por medo de
repercussões. A Lei nº 10.639, por exemplo, tornou obrigatório o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira. Algumas pessoas veem as culturas
afro-brasileiras como temas que não devem ser discutidos. Então, se você tiver
um aparato legal, você terá proibição de falar de outras culturas, o que para
mim é gravíssimo.
JC - Há
exemplos de modelos estrangeiros nesse sentido?
Penna - O
movimento Escola Sem Partido foi criado com base em um site norte-americano
chamado No Indoctrination, um site de denúncias. Legalmente, eu não conheço
nenhuma iniciativa em outros países, nem mesmo a ditadura militar investiu
muito em instrumentos legais para coagir o professor.
JC - É
possível implementar integralmente o Escola Sem Partido?
Penna - A
aplicação de alguns elementos do projeto é impossível. Quando dizem que é
vedada a abordagem em sala de aula de algum assunto que possa provocar conflito
com as crenças morais e religiosas das famílias, isso é impossível de se
aplicar. Uma sala de aula tem 40, 50 alunos com as mais diferentes crenças,
valores. Se o professor tiver medo de entrar em conflito com qualquer uma
delas, ele não vai falar sobre absolutamente nada.
JC - Como
o senhor propõe o combate ao projeto?
Penna - É
complexo, pois a linguagem que eles usam é muito próxima do senso comum. O
próprio nome faz uma separação entre escola com partido ou sem, só que não é
isso que está em questão. É um projeto que remove da escola seu caráter
educacional. Eles usam a linguagem de redes sociais de forma muito eficaz. Por
isso é importantíssimo debater com a sociedade civil, produzir textos que pais,
alunos e interessados de maneira geral possam ler e se informar, para entender
realmente o que é realmente o Escola Sem Partido. Eles dizem que defendem o
pluralismo de ideias. Porém, se você vai ver a atuação do movimento, é
incompatível com a descrição. É importante levar a questão não só para as
universidades, mas para a sociedade civil como um todo.
JC - Qual
o principal ponto que o senhor é contrário nesse projeto?
Penna - O
projeto versa sobre a ética profissional do professor, mas em nenhum momento
incluiu o professor na sua elaboração e mesmo na sua tramitação. Isso já tira a
legitimidade da iniciativa. No entanto, uma vez arquivado o Escola Sem Partido,
teremos uma boa oportunidade de rever o que é a escola para nós e quais são os
limites éticos do professor. A escola não pode excluir uma prática ou outra,
tem que ser um espaço de diálogo. Todas as crenças devem ser vistas como forma
de cultura, e ninguém pode se negar a dialogar ou aprender sobre nenhuma outra
cultura, e essa dimensão fica seriamente ameaçada com o projeto.
Fonte:
Jornal do Comércio http://bit.ly/2cCboMG
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