sexta-feira, 29 de junho de 2012

REUNIÃO CONSELHO POLÍTICO


ÍNDIOS BRASILEIROS REIVINDICAM DIREITO À TERRA


Conflitos com grandes produtores agrários ameaçam a preservação da vida e da cultura dessas populações, que levaram suas reivindicações à Rio+20 

Por Giulia Afiune [28.06.2012 16h17]
Centenas de índios enfeitados com tinta, penas e sementes chamavam a atenção em meio a engravatados chefes de Estado, delegados, representantes de ONGs e jornalistas que foram ao Rio de Janeiro para a Rio+20, entre 13 e 22 de junho. Inúmeras etnias de todo o mundo vieram ao Brasil para reivindicar o cumprimento da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela ONU em 2007. O documento inclui o direito à preservação das culturas tradicionais e a necessidade de consultar esses povos sobre a exploração de suas terras.

Para os indígenas brasileiros, os maiores problemas giram em torno da disputa com grande produtores rurais pelo uso de terras e recursos naturais. Gado, soja, eucalipto e cana de açúcar estão entre os produtos que ameaçam a vida dessas populações. “Tem crianças Bororo nascendo com deformações porque os pais tomam a água do rio contaminada com agrotóxico”, conta Lauro Parikoekureu, da etnia Bororo, no Mato Grosso, onde predominam as lavouras de soja. Água e solo contaminados prejudicam também as plantações dos índios, um dos traços de sua cultura. É o que acontece na aldeia Boqueirão no município de Dourado, MS, como relata o líder guarani Catalino Aquino. “Não temos terra pra plantar. O governo e a Funai (Fundação Nacional do Índio) dão cesta básica, mas para nós não é suficiente. Queremos plantar na terra e dela comer, essa é a nossa cultura.”

Segundo Taily Terena, da etnia Terena, do Mato Grosso do Sul, as consequências são graves. “Se não tem comida, precisamos procurar trabalho. Nas fazendas em volta não tem mais emprego por causa das máquinas. Então nós acabamos indo para as cidades, onde perdemos parte da nossa cultura”, explica a jovem de 19 anos, que se mudou do Mato Grosso do Sul para a capital do país, onde cursa Antropologia na Universidade de Brasília - UnB.

Para a antropóloga Betty Mindlin, que atua há mais de 30 anos pesquisando a cultura dos povos indígenas da Amazônia, o direito à terra é inalienável. “Os índios existiam antes do Estado brasileiro. Nós temos uma dívida com eles por causa do extermínio feito pelos colonizadores”, argumenta. Esse direito está previsto também no Artigo 231 da Constituição de 1988. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

“Se o governo da Dilma fizesse as demarcações, tiraria os fazendeiros, madeireiras e hidrelétricas de lá. Porque nós não precisamos de gado, precisamos da natureza limpa e sadia para podermos sobreviver”, defende a cacique Hozana, da etnia Poruborá de Rondônia. Contudo, apenas a demarcação de terras não resolveria todos os problemas dos indígenas. “Tem terras já homologadas de onde os fazendeiros não saem”, alerta o guarani Catalino Aquino. Mas a demarcação também pode trazer benefícios, como a diminuição da violência, lembra Vanda Silva, da etnia Makuxi que habita a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, homologada em 2005 pelo governo Lula. “Depois da demarcação melhorou porque muitas lideranças estavam morrendo nos conflitos e o governo ignorava. Sem terra a gente não é nada.”

A luta pelo reconhecimento das Terras Indígenas (TIs) está longe de acabar. A Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 transfere do Poder Executivo para o Congresso a função de demarcar as TIs. A PEC está em tramitação no Congresso Nacional e, se for aprovada, obrigará as terras indígenas já reconhecidas a serem novamente homologadas. “Essa PEC é um golpe contra a demarcação de terras indígenas por parte dos setores ruralistas do Congresso Nacional. Sou completamente contra porque ela é inconstitucional”, avalia o ex-Presidente da Funai, Márcio Meira.

Desenvolvimento Sustentável

Assim como o novo Código Florestal, a PEC 215 é considerada por muitos estudiosos uma medida que favorece os grandes agropecuaristas brasileiros em detrimento da conservação ambiental e dos direitos humanos. A geógrafa e professora da USP Neli Aparecida de Mello-Théry acredita que casos como esses mostram que está em xeque o projeto de nação da sociedade brasileira para o país. “Nós vamos querer continuar sendo o celeiro do mundo, acabando com nossa biodiversidade para produzir commodities?”, indaga.

Ela afirmou que existem alternativas sustentáveis para a agricultura brasileira, como a produção agroflorestal e a diversidade de culturas, no caso dos pequenos produtores, e a recuperação de áreas degradadas para os grandes. “Não precisa de mais terra. Dá pra cultivar soja em locais de plantações antigas, recuperando o terreno e ganhando um certificado verde por isso, o que é muito valorizado hoje em dia.”

Apesar do documento final da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável reconhecer a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, essas populações sentiram falta de medidas concretas que pudessem melhorar suas condição de vida. “A abertura para os povos indígenas foi maior do que na Rio 92, mas o governo tem ignorado. Nós queremos que providências sejam tomadas de verdade, que não fique só na conversa, e vá para a ação”, reforça Taily Terena.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

ADIADA PARA 2023 A DESTINAÇÃO DE 10% DO PIB PARA EDUCAÇÃO




AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA: A Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou, na noite de 26/06/2012, o Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei – PL 8035/2010), prevendo que somente no ano de 2023 os governos federal, estaduais e municipais deverão aplicar, em Educação, recursos equivalentes a 10% do PIB (Produto Interno Bruto). O PL também prevê que tal percentual suba dos atuais 5% para 7% do PIB em 2017. Para virar lei, o Plano Nacional de Educação ainda precisa ser aprovado pelo Senado e ser sancionado, sem vetos, pela Presidenta Dilma.
Houve maciça presença de diversas entidades da sociedade civil, que exerceram forte pressão sobre os parlamentares, em coro, aludindo ao excesso de recursos destinados aos juros da dívida: “Tem dinheiro para banqueiro mas não tem para a Educação”
Uma alteração no texto representa risco de que boa parte dos 10% do PIB serão cumpridos artificialmente, por meio da contabilização de despesas com aposentadorias e pensões de servidores da educação, bolsas de estudo, e até despesas com juros, amortizações e encargos da dívida da área educacional.
Da proposta inicial constava que 10% do PIB deveriam destinar-se a “investimento público direto” em Educação. O texto aprovado alterou para “investimento público em educação pública”, que abrange outros gastos, como alerta o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (página do INEP).
O texto aprovado remete para futura Lei Complementar a deliberação sobre a forma pela qual os estados e municípios – que respondem pela maior parte dos recursos da educação, e já se encontram em delicada situação financeira – disporão de recursos para atingir a meta.
Também não estão especificadas na lei quais são exatamente as despesas que serão contabilizadas para fins de atingimento dos 10% do PIB, razão pela qual pode-se repetir o ocorrido na área da saúde, onde os governos costumavam incluir despesas não propriamente ligadas diretamente à esta área social. Foram necessários 10 anos para que fosse aprovada, no ano passado, legislação que regulamentou os gastos específicos da saúde. E nem assim os governos estaduais têm cumprido a norma.
Enquanto a Lei de Responsabilidade Fiscal criminaliza o administrador público que não paga os juros e amortizações da dívida, o texto aprovado não prevê qualquer punição para os governantes que não cumprirem a meta ora aprovada.
O longo prazo de 11 anos para aplicação de 10% do PIB para Educação e a fragilidade do texto aprovado indica que a luta precisa continuar.
No ano passado, o governo federal gastou R$ 708 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 17% do PIB, ou seja, mais que o triplo dos recursos necessários para se elevar imediatamente o gasto com educação dos atuais 5% para 10% do PIB.
 A falaciosa “queda drástica” das taxas de juros
 Hoje, o Banco Central divulgou Nota para a Imprensa sobre as taxas de juros médias dos empréstimos bancários. No quadro 41 da tabela, verifica-se que a taxa média cobrada de pessoas físicas foi de 38,8% ao ano em maio, taxa esta equivalente a mais que o quádruplo da “Taxa Selic”, e bastante próxima à taxa observada em dezembro de 2010, de 40,6% ao ano. No caso da taxa cobrada de empresas, ela “caiu” de 27,9% ao ano (em dez/2010) para 25% em maio de 2012.
Segundo os dados do próprio Banco Central, o chamado “spread” bancário (ou seja, a diferença entre as taxas cobradas pelos bancos e as taxas pagas por estes na captação de recursos) subiu no período, de 23,5% para 24,7% ao ano, ou seja, ambas são estratosféricas!
A queda da taxa de juros“Selic” também não tem significado a redução no custo da dívida pública: dado divulgado ontem pelo Tesouro Nacional (planilha 4.1) mostra que o custo da dívida interna federal subiu para 12,16% ao ano em maio, valor este bem maior que a Taxa “Selic” (8,5% ao ano) e ainda maior que o observado no início do ano (11,56%). Conforme mostra a planilha 2.5, apenas 27,02% da Dívida Interna sob responsabilidade do Tesouro Nacional estava indexada a Taxa flutuante (“Selic”). E segundo a planilha 1.2, apenas 4,6% dos títulos da dívida emitidos em 2012 foram indexados à Taxa Selic.
Tais dados provam o que temos denunciado: justamente quando a Selic cai, o Tesouro passa a vender títulos da dívida a taxas superiores à Selic.
Em suma: ganhando altíssimas taxas de juros com a dívida pública, os bancos não se interessam em baixar efetivamente as taxas de juros para pessoas e empresas.
TextoAudioria da Dívida CidadãFoto: Arquivo APUFPR-SSind
Reprodução do site: http://www.sismmac.org.br/

terça-feira, 26 de junho de 2012

ECONOMIA GLOBAL: ''NECESSITAMOS DE ALTERNATIVAS, E NÃO SOMENTE DE REGULAÇÃO DO MERCADO''. ENTREVISTA ESPECIAL COM FRANÇOIS HOUTART

“Hollande vai ser o Lula da Europa. Vai ser muito social-democrata. Não vai mudar o sistema fundamental. Irá adaptá-lo”, declara o sociólogo belga.

Confira a entrevista.


A crise econômica e política europeia é a manifestação de “um conflito entre duas lógicas: a lógica dos interesses do capital e a lógica dos interessas do bem-estar social”, declara o sociólogo belga François Houtart à IHU On-Line. Segundo ele, “durante algum tempo houve a possibilidade, com o regime social-democrata, de combinar os dois interesses. Mas agora, com a crise, há uma eleição: ou um ou outro”.

Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, por conta de sua vinda ao Brasil, Houtart analisa os impactos da crise europeia nos países atingidos e menciona as implicações políticas decorrentes. “Os partidos políticos clássicos continuam no poder: a social-democracia ou os partidos liberais de direita. Mas vemos em alguns países duas novas forças políticas ainda marginais: a extrema direita e movimentos à esquerda da social-democracia na França, na Grécia, na Espanha”. Embora não vislumbre a ascensão da direita na Europa, ele menciona que os partidos estão se popularizando entre as classes trabalhadoras. “Uma parte da extrema direita na França, a Frente Nacional, tem 18% de aceitação, mais da metade desse percentual é oriundo da classe operária. Essas pessoas estão marginalizadas e o discurso da extrema direita é anticapitalista, anti-imigração e antirracista. Esta parte da classe trabalhadora vê a imigração como a causa fundamental do desemprego. A propaganda da extrema direita vai na direção de acusar os imigrantes. Os mais pobres, que não têm uma visão analítica, votam na direita”, relata.

Em relação ao futuro da esquerda na Europa, Houtart é enfático: “eles podem crescer ou decrescer, porque a maioria das pessoas tem medo de perder o que possuem e, por isso, continuam a votar nos gerentes do sistema, que são a extrema direita ou a social democracia, que já não têm tantas diferenças”. E dispara: “A queda do muro de Berlim, ainda na Europa, repercute no sentido de que o socialismo não é a solução. (...) Falta à classe política europeia audácia, pensamento novo, para justamente criar, pouco a pouco, outro projeto. A Europa está totalmente dominada pelas forças econômicas. Eu penso que têm 16 mil lobistas permanentes em Bruxelas, representantes das grandes empresas multinacionais, para influir no funcionamento da comunidade”.

Na avaliação de Houtart, o avanço da democracia participativa não é suficiente para mudar a conjuntura atual; é preciso mudanças econômicas e políticas. “Nada menos democrático do que a economia capitalista, a concentração do poder de decisão, a relação desigual entre homens e mulheres. O desafio das instituições sociais, culturais, religiosas é encontrar uma maneira de introduzir o princípio democrático para fazer com que os seres humanos sejam sujeitos de sua história, e não somente clientes de partidos políticos”, conclui.

François Houtart (foto abaixo) é graduado em Filosofia e Teologia pelo Seminário Mechelen, Bélgica, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Católica de Louvain, e doutor em Sociologia pela mesma instituição. É professor emérito da Universidade Católica de Louvain. Lançou recentemente o livro A Agroenergia - Solução para o Clima ou Saída da Crise para o Capital? (Petrópolis: Editora Vozes, 2010).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a natureza e a essência da crise econômica na Europa?

Foto: Luana Taís NylandFrançois Houtart – A crise europeia é parte da crise mundial que se iniciou nos EUA com a crise financeira do subprime [1], mas que afetou também a Europa e o sistema financeiro europeu. A causa fundamental desta crise é a diferença entre a economia real e a economia artificial, ou seja, a economia financeira. A economia real mundial, nos últimos 20 anos, tem decaído e, desde os anos 1990, o capital financeiro cresceu e passou a assumir um papel hegemônico dentro do sistema capitalista. Atualmente a importância relativa do capital financeiro é 11 vezes maior do que o PIB mundial. É uma diferença enorme e, em algum momento, essa “bola” financeira teria de estourar, pois era totalmente artificial. Como disse Susan George, uma norte-americana que vive Paris, essa é uma economia cassino, onde a especulação tem tido um papel enorme. Em grande parte isso acontece por causa da existência dos paraísos fiscais, para onde o dinheiro das multinacionais e dos fundos de pensão é enviado. Esses paraísos fiscais não contribuem para a riqueza mundial, pois simplesmente acumulam, acumulam e acumulam.

IHU On-Line – Essa crise pode se expandir para o Brasil?

François Houtart – Sim, a crise já começa a afetar os países emergentes: Brasil, China, Índia. Em particular, o Brasil por conta da desindustrialização e pelo fato de ter uma economia baseada na extração de minérios e commodities. Por isso seria necessário a integração dos países da América Latina.

O modelo político adotado no Brasil, em que todos podem crescer economicamente, é vulnerável a crises mundiais. Talvez os impactos não serão sentidos em curto prazo, mas em médio e longo prazo. A questão fundamental neste debate é a lógica do sistema capitalista, que é movido pelo lucro e, obviamente, pelo lucro financeiro. Aliás, o sistema financeiro tem sido o sistema orientador de toda a economia mundial.

IHU On-Line – Como a crise tem se manifestado nos diferentes países da Europa? Pode nos dar um breve panorama de como ela atinge a França, Itália, Alemanha, Espanha e Grécia?

François Houtart – A crise é evidentemente mundial, mas suas as características são particulares em cada país. Os países do sul da Europa são mais afetados, como Grécia, Portugal, Espanha, e Itália. Em parte isso acontece porque são economias mais jovens, com menos peso industrial, e, no caso da Espanha, se trata de uma economia muito especulativa. Para se ter ideia, a cada semana na Espanha cerca de 50 mil pessoas são retiradas de suas casas porque não podem pagar o aluguel. Isso é a irracionalidade total do sistema capitalista.

Na Grécia há particularidades, porque o governo foi extremamente corrupto, divulgando dados estatísticos falsos durante anos. A Alemanha, que é a economia mais forte da Europa, é relativamente sólida, mas a qual custo? Quase a metade da classe operária da Alemanha não tem mais contratos de trabalho definidos em longo prazo; são contratos em curto prazo. Isso acontece porque é permitido diminuir o salário e, assim, o custo do milagre alemão é pago, em grande parte, pela classe operária. A economia alemã se fortalece por conta da exportação. E isso tem graves consequências na Europa, porque, para salvar o sistema financeiro e os bancos, os Estados europeus têm gastado bilhões de euros, e por isso se endividaram.

A ordem do Banco Central Europeu é de que nenhum Estado pode ter uma dívida maior do que 3% do PIB e, por isso, devem reduzir os gastos. A questão é que se trata de Estados que haviam conquistado o bem-estar social. Para reduzir a dívida, então, os Estados terão de reduzir os serviços públicos de saúde, educação, pensões, salário mínimo. O salário mínimo na Grécia é algo em torno de 400 euros. Assim, é o povo quem tem de pagar a dívida do Estado, que se deve, em grande parte, à salvação dos bancos e do sistema financeiro.

IHU On-Line – Quais são as reais ameaças que a conquista histórica do Welfare State já vem sofrendo na Europa?

François Houtart – Já se anuncia na imprensa o fim do estado de bem-estar social na Europa. Claro que a situação é diferente na Grécia. Na Bélgica, o estado de bem-estar social ainda é mais sólido, mas não se sabe por quanto tempo.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a insistência de austeridade da Alemanha para com a Grécia?

François Houtart – Essa austeridade só fará aumentar a crise, porque as políticas de austeridade ditas para favorecer o crescimento diminuem o poder de compra das pessoas. Como é possível pensar em crescimento se o poder de compra diminui? É algo totalmente contraditório. Joseph Stiglitz tem dito que estas são políticas criminais, porque não são anticíclicas. A Alemanha tem um regime direitista e vive a serviço do capital. Evidentemente, os interesses do capital são de continuar a acumulação e mantê-la, sem se preocupar com o bem-estar da população.

Existe um conflito entre duas lógicas: a lógica dos interesses do capital e a lógica dos interessas do bem-estar social. Durante algum tempo houve a possibilidade, com o regime social-democrata, de combinar os dois interesses. Mas agora, com a crise, há uma eleição: ou um ou outro.

IHU On-Line – Foi positivo para a Europa ter criado uma moeda única?

François Houtart – Sim. O euro foi uma criação positiva, porque é interessante para uma região ter uma moeda própria para não depender do dólar. Mas as condições de criação do euro se deram na lógica do sistema capitalista, com um Banco Central que se diz autônomo da política, mas não é autônomo dos interesses capitalistas. Isso tem provocado, por exemplo, a impossibilidade para um país como a Grécia de ter uma política monetária adaptada à situação da crise. Por isso a Grécia tem de obedecer à Alemanha, e tinha de obedecer à França, durante o governo Sarkozy.

IHU On-Line – Em função da crise econômica e política, seria o caso de extinguir o Euro?

François Houtart – Não. Mas seria preciso mudar as regras de funcionamento. Porque se extinguirem o euro, a Europa irá depender ainda mais da economia norte-americana, porque o dólar é a única moeda internacional. E esse é o problema da China e da América Latina, porque são muito vulneráveis por conta do dólar. A China tem quase um terço da dívida norte-americana em dólares. E se o dólar continuar baixando, isso significará uma redução das reservas monetárias latino-americanas.

Da mesma forma que a Europa, hoje os asiáticos estão pensando na criação de uma moeda própria para escapar da hegemonia norte-americana. A reserva federal norte-americana está emitindo dólares e há quatro anos não divulga quantos dólares estão produzindo para pagar a dívida norte-americana, e as guerras de Iraque, Afeganistão etc. Trata-se de um segredo de Estado.

IHU On-Line – Como resolver esta instabilidade econômica gerada por conta do dólar?

François Houtart – Participo da comissão das Nações Unidas sobre a crise financeira e monetária com Stiglitz, e durante quase um ano discutimos essas questões. Eu era o único membro desta comissão que não era economista; os demais eram neokeynesianos. A comissão chegou à conclusão de que era necessário regular o sistema econômico de maneira radical no sentido de suprimir os paraísos fiscais, de criar um conselho econômico à parte do sistema de segurança da ONU, de reformar o Banco Mundial, o FMI, de mudar as Agências de Risco etc. Mas nenhuma dessas propostas foi aprovada.

A comissão também propôs a criação de moedas regionais e a criação de uma moeda que já existe no FMI, a qual lhe permite emitir moedas de intercâmbio e não moedas de circulação. Evidentemente os Estados Unidos reagiram contrariamente, porque uma base imperialista ainda existente no país quer manter o dólar como moeda internacional. Essa possibilidade, embora seja desenvolvida dentro do sistema capitalista, poderia romper com a hegemonia de um único centro frente a outros. Seria, então, possível criar um mundo com vários polos.

IHU On-Line – Que futuro vislumbra para o Euro?

François Houtart – Não penso que irá mudar muito. É possível que a Grécia saia do euro e que isso represente um golpe para a moeda europeia. Mas ainda é cedo para dizer se isso significa o fim do euro.

IHU On-Line – A crise econômica empurrou a Europa para uma crise política? Como ela se manifesta?

François Houtart – Evidentemente que sim. Os partidos políticos clássicos continuam no poder: a social-democracia ou os partidos liberais de direita. Mas vemos em alguns países duas novas forças políticas ainda marginais: a extrema direita e movimentos à esquerda da social-democracia na França, na Grécia, na Espanha. Uma parte da extrema direita na França, a Frente Nacional, tem 18% de aceitação, mais da metade desse percentual é oriundo da classe operária. Essas pessoas estão marginalizadas e o discurso da extrema direita é anticapitalista, anti-imigração e antirracista. Esta parte da classe trabalhadora vê a imigração como a causa fundamental do desemprego. A propaganda da extrema direita vai na direção de acusar os imigrantes. Os mais pobres, que não têm uma visão analítica, votam na direita.

A extrema esquerda tem apenas 1 ou 2% de aprovação. A esquerda que tem importância se parece com a social-democracia, mas é mais articulada com um projeto que não é social-democrata. Eles podem crescer ou decrescer, porque a maioria das pessoas tem medo de perder o que possuem e, por isso, continuam a votar nos gerentes do sistema, que são a extrema direita ou a social-democracia, que já não têm tantas diferenças.

IHU On-Line – O senhor compartilha a ideia de que a Europa pode cair nos braços da direita?

François Houtart – Não. Basta ver o que aconteceu com Sarkozy, com a direita na Grécia, na Itália. A Espanha é governada pela direita, mas devido à falta da social-democracia e do socialismo espanhol, que foi quase mais neoliberal do que a direita. Na Alemanha é provável que a social-democracia vença as próximas eleições. Não penso que direita possa chegar ao poder como o fascismo chegou depois da primeira Guerra Mundial, porque as circunstâncias são diferentes. Mas penso que ela pode exercer uma pressão forte sobre as políticas de outros países.

IHU On-Line – Qual o significado político da vitória da esquerda na França? A eleição de Hollande na França pode mudar o rumo das coisas?

François HoutartHollande vai ser o Lula da Europa. Vai ser muito social-democrata. Não vai mudar o sistema fundamental. Irá adaptá-lo. Haverá menos austeridade, mais preocupação com o sistema. Mas não mudará o sistema.

IHU On-Line – Por que é difícil mudar o sistema?

François Houtart – Porque a força do sistema econômico ainda é muito forte, e a concentração do capital e das multinacionais ainda desempenham um papel intenso na reprodução do sistema. Por outro lado, a queda do muro de Berlim, ainda na Europa, repercute no sentido de que o socialismo não é a solução. Há assim um vazio de pensamento progressista e um vazio de soluções que não podem mais ser sustentadas pelo capitalismo ou pelo socialismo. Somente as novas gerações poderão mudar. Falta à classe política europeia audácia, pensamento novo, para justamente criar, pouco a pouco, outro projeto.

A Europa está totalmente dominada pelas forças econômicas. Eu penso que têm 16 mil lobistas permanentes em Bruxelas, representantes das grandes empresas multinacionais, para influir no funcionamento da comunidade europeia. A comissão de conselho da comunidade europeia sobre os agrocombustíveis está composta, com uma exceção, por 16 representantes de empresas desse setor.

IHU On-Line – É a política subordinada à economia?

François Houtart – Exato. E o papel das organizações sociais como sindicatos, por exemplo, é um papel subordinado. Eles foram, dentro da história social da Europa, movimentos de transformação. Mas, com o estado de bem-estar social, seu papel tem sido defender os direitos conquistados. Todavia, eles perderam sua visão progressista e seu papel de propor outro sistema econômico e social. Por isso estamos frente a uma imobilização política.

IHU On-Line – Em que medida os indignados podem mudar as regras da política? É possível esperar algum resultado político e democrático dessas manifestações?

François Houtart – Sim e não. É extraordinário ver a reação das pessoas na Espanha, especialmente dos jovens. Na Espanha, quase 50% dos jovens estão sem emprego. Mas essa é uma geração que perdeu muito a capacidade de análise, especialmente na Europa, com o fim do socialismo real e do que significou essa experiência socialista. Há um regresso das análises marxistas. Perdemos muitos instrumentos de análise da sociedade, os quais estamos recuperando pouco a pouco. Por isso a reação de hoje é um pouco anarquista. As pessoas se encontram, estão indignadas com o sistema, mas têm pouca capacidade de propor algo que possa muda-lo. Esse é o problema. Esse movimento tem capacidade de evoluir e um dia ser uma força política, mas ainda não.

IHU On-Line – As relações internacionais entre França e Alemanha devem mudar por conta da eleição do presidente Hollande na França?

François Houtart – Sim. Evidentemente a política de Ângela Merkel era muito similar à de Sarkozy, e ela apoiou a campanha dele oficialmente. A eleição de Hollande irá mudar as relações entre os dois países, porque o novo presidente da França quer diminuir as políticas de austeridade. Penso que Hollande terá de pensar em longo prazo, considerando as futuras eleições da Alemanha, porque, ao que tudo indica, a social-democracia irá vencer as urnas aí. A partir do resultado eleitoral, uma nova coalizão europeia poderia se organizar ao redor do projeto social-democrata, especialmente entre Alemanha e França. Mas eu não tenho muita esperança nesse projeto, porque ele não irá “tocar” nas questões essenciais.

IHU On-Line – Que potenciais o senhor vislumbra na agroenergia como alternativa para o capitalismo?

François Houtart – Atualmente existem três correntes de pensamento que propõe mudanças diferentes. A primeira corrente orienta no sentido de não fazer uma mudança radical. Essa é a visão atual da Comissão Europeia, ou seja, não mudar o sistema neoliberal, continuar com a privatização dos serviços públicos, com políticas de austeridade etc. A proposta dessa corrente é mudar as pessoas. Eles condenam os banqueiros, que não viram a crise, mas não sugerem mudar o sistema.

A segunda orientação é a da Comissão de Stiglitz, que propõe regular o capitalismo, porque o mercado não se autorregula. Portanto, é necessário que o Estado e organismos internacionais regulem o sistema.

A terceira orientação é de que a crise atual não é apenas uma crise conjuntural do sistema capitalista, como as que conhecemos nos últimos 200 anos. Trata-se de uma crise do sistema. A diferença desta crise com a que ocorreu em 1929 não é somente uma crise financeira com suas consequências sobre as economias reais; diferentemente, a atual situação trata-se de uma crise mais ampla, alimentar, energética, climática. Diante da de civilização há também uma crise de valores.

Alternativas

Necessitamos de alternativas, e não somente de regulação do mercado. Essa é a perspectiva que apresento juntamente com o economista egípcio Samir Amin, com o qual tenho trabalhado. Ele diz que acabou o papel histórico do capitalismo. O custo atual da manutenção do capitalismo é tão grande sobre o planeta, o clima e os recursos naturais que ele, o sistema, está vivendo um momento em que não é mais possível ser reproduzido no futuro. Esse é um problema que implica na sobrevivência do gênero humano.

Já sabemos, do ponto de vista ecológico, que estamos utilizando um planeta e meio e que a possibilidade de regeneração da terra não é mais possível. E se todo mundo destruir e consumir no mesmo nível dos EUA, necessitaremos de quatro planetas, mas só temos um.

Todas as crises têm a mesma origem: a lógica do capitalismo, que é, por um lado, a lógica do lucro, e não a do bem-estar das populações; e, por outro lado, ignorância das externalidades, de tudo o que é externo ao cálculo do mercado, que são os danos ecológicos e sociais.

Essas crises demonstram que temos de encontrar um novo paradigma da existência coletiva dos seres humanos no planeta. Como construir e pensar isso? Escrevi um livro sobre o novo paradigma pós-capitalista, tratado de ver que o bem-comum da humanidade é a vida, a capacidade de reproduzir a vida do planeta e dos seres humanos que, como dizem os indígenas de Chiapas, são a parte consciente da natureza. Podemos pensar isso a partir dos quatro fundamentos de toda a vida humana. O primeiro diz respeito à relação dos seres humanos com a natureza, quer dizer, é preciso mudar fundamentalmente esta relação. Para o capitalismo, a natureza é um recurso natural que se pode transformar em mercadoria. Devemos abandonar essa visão e respeitar a terra como fonte de toda a vida. Isso tem muitas consequências práticas. Se aceitarmos este princípio, não poderemos aceitar mais a propriedade privada dos recursos naturais, que são patrimônio da humanidade. Não se pode aceitar mais a mercantilização dos bens essenciais para a vida humana, como a água, ou as sementes.

A segunda questão é como a economia poderá construir as bases materiais da vida física, cultural, espiritual de todas as pessoas do planeta. Isso significa uma revolução na concepção de economia, que não significa simplesmente produzir bens com valor agregado. Como dizem alguns atores, o capitalismo foi um parêntese na história da humanidade e agora seu papel se esgotou.

Democracia

O terceiro aspecto é introduzir o conceito da democracia generalizada a todas as relações sociais, humanas e organizacionais. Fala-se que estamos dando um passo adiante com a democracia participativa. Mas isso não basta se não ocorrem mudanças políticas e econômicas. Nada menos democrático do que a economia capitalista, a concentração do poder de decisão, a relação desigual entre homens e mulheres. O desafio das instituições sociais, culturais, religiosas é encontrar uma maneira de introduzir o princípio democrático para fazer com que os seres humanos sejam sujeitos de sua história, e não somente clientes de partidos políticos.

Finalmente, é preciso interculturalidade, ou seja, permitir a todas as culturas os saberes, permitir que participem desta construção de um novo paradigma. Sobre esses quatro elementos, os quais são fundamentais na construção de cada sociedade, se pode construir o novo paradigma o qual devemos construir teoricamente, porque – como disse Rosa Luxemburgo – “não há revolução sem teoria”. Assim, devemos continuar a elaboração teórica com a colaboração de movimentos sociais e de intelectuais para construir essa perspectiva que pode servir de base para as lutas sociais e para a convergência dos movimentos sociais. Até agora cada movimento social lutou por uma causa própria, individual, e isso é positivo, mas falta uma meta de conjunto. Por isso o conceito do bem-viver, de Sumak Kawsay, tem a sua importância, visto ser uma visão de conjunto. Claro que não devemos adotar a cosmovisão dos indígenas, mas sim a sua ideia fundamental.

Utopia

Para terminar, isso pode parecer uma utopia, mas é uma utopia necessária no sentido de buscar algo que não existe hoje, mas que poderá existir amanhã. Essa tem que ser uma meta inspirada também na fé cristã. É uma meta que já existe na prática, porque milhares de inciativas já trabalham para que houvesse outra relação com a natureza, com a criação de uma economia solidária, para se defender os direitos das mulheres, para se ter uma nova identidade cultural, etc. Esses movimentos existem, porém ainda não representam uma força para transformar o sistema. Temos visto esta diversidade nos Fóruns Sociais Mundiais, e isso é importante para criar uma nova consciência mundial.

IHU On-Line – O senhor continua marxista? Em que medida Marx continua atual para pensar as crises de hoje?

François Houtart – Sim, continuo. O pensamento marxista continua muito válido, mas precisamos adotar o marxismo como método e não como dogma. Método no sentido de refletir sobre as situações atuais, e não somente do sistema capitalista do século XIX na Europa. É muito importante o que Marx disse sobre a natureza. Ele disse que o capitalismo está destruindo o metabolismo entre natureza e seres humanos, e com consequências que serão graves e que somente o socialismo pode e deve reconstruir o metabolismo entre seres humanos e natureza.

Entretanto, os sistemas socialistas reais não acompanharam a visão da modernidade, de que não é possível um progresso linear por conta dos problemas ambientais. Nesse sentido, penso que Marx continua fundamental para analisarmos a sociedade.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

François Houtart – Gostaria de acrescentar a importância da visão cristã nesse processo de mudança, e a necessidade de reiniciar uma teologia da libertação, esta corrente que foi muito destruída pela Igreja institucional. Seria necessário, frente à gravidade da crise, repensar uma teologia nesse sentido e dialogar com outras religiões, como o budismo, por exemplo. Fiz meu doutorado sobre o budismo, que é uma corrente de pensamento muito importante para encontrar o problema da crise dos valores.


Notas

[1] Subprime: é um crédito de risco concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosa.

(Por Patricia Fachin e César Sanson)
Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/510152-economia-global-necessitamos-de-alternativas-e-nao-somente-de-regulacao-do-mercado-entrevista-especial-com-francois-houtart

PNE NÃO PROPÕE FINANCIAMENTO NECESSÁRIO PARA A EDUCAÇÃO

No dia 13 de junho, foi aprovado, em caráter conclusivo, o texto principal do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que determina que 8% do PIB sejam investidos em educação pública e privada até 2020. O novo projeto apresenta diretrizes e metas para a educação para a próxima década – incluindo a expansão da oferta de vagas nas escolas e universidades, inclusão de minorias e incentivo à formação de novos professores. O texto do projeto de lei traz um discurso aparentemente favorável à educação. Entretanto, segue a mesma lógica de Estado que minimiza gastos com a educação pública e abre as portas para o investimento privado.

A votação do projeto de lei que cria o novo PNE já foi adiada diversas vezes, e deve acontecer no final de junho. O que está atrasando a decisão é a discussão polêmica sobre qual deve ser a meta de investimento público em educação até 2020. Diversas entidades e movimentos sociais têm a defesa histórica de que 10% do PIB devem ser destinados para o ensino. Alguns especialistas afirmam, entretanto, que precisamos de ainda mais: estimativas mostram que pode ser necessário até 17% ou mais para erradicar o analfabetismo, por exemplo.

Vários segmentos da população estão fazendo pressão para aumentar o investimento em educação, mas o Estado está cedendo apenas migalhas. Depois de muito debate e reivindicações de entidades e movimentos sociais, a meta para investimento em educação que era inicialmente 7,5% passou para 8% do PIB - o que ainda não seria suficiente para garantir educação de qualidade para todos os trabalhadores brasileiros e para seus filhos.

Investimento insuficiente

Uma das metas do novo PNE para a próxima década é erradicar o analfabetismo no país, mas o governo propõe apenas 8% do PIB para o ensino no Brasil. Como seria possível aumentar a qualidade da educação e acabar com o analfabetismo sem investimento suficiente para isso?

O governo não dá prioridade para a educação e não fornece recursos suficientes para a área. Mesmo que os lideres partidários tivessem interesse em aumentar o investimento em educação, isso se choca com as prioridades de um Estado que não é dos trabalhadores, mas que serve apenas a uma pequena parcela da sociedade que detém os lucros e a maior fatia da riqueza do país.

Educação não é prioridade do Estado

Se 8% de investimento já é pouco, na prática o Estado trata a educação com ainda mais descaso e não investe nem o que promete. Basta acompanhar o que aconteceu durante as últimas gestões federais. O PNE anterior tinha como meta o investimento de 7% do PIB para a educação, mas o item foi vetado pelo governo da época, do PSDB. No governo seguinte, o ex-presidente Lula manteve o veto. Os últimos anos do governo PT não foram diferentes: vemos a mesma lógica de cortes no setor público sendo seguida: só no governo Dilma, o corte em educação foi maior do que R$3 bilhões.

Atualmente, apenas 5,1% do PIB são investidos em educação no Brasil. Apesar de ser classificado como a 7ª potência econômica do mundo, o país ocupa o 84º lugar no índice de atendimento aos Direitos Humanos (IDH/PNUD/ONU, 2011).

Independentemente da sigla partidária, vemos que partidos como o PSDB e o PT trataram com descaso a educação no Brasil. Isso porque, na prática, os partidos priorizam as ações que interessem aos capitalistas. O dinheiro do país, produzido com os frutos do nosso trabalho, é revertido prioritariamente para bancos e iniciativa privada. Em 2011, cerca de metade do orçamento do Brasil foi usada no pagamento de juros da dívida pública: 47,9%. Já o orçamento para a educação ficou em apenas 2,92%.

A riqueza de nosso país, produzida pelos trabalhadores, não é revertido para eles em melhorias na educação, saúde, salários digno e qualidade nos serviços sociais. Quem recebe a riqueza, fruto do nosso trabalho, são os banqueiros, donos de empreiteiras, patrões e empresários .

A luta pela educação deve ser feita pelos trabalhadores

O PNE mostra contradições entre o que os trabalhadores querem e o que os governos defendem. O próprio relator do projeto de lei que cria o novo PNE, o deputado Angelo Vanhoni, faz parte do PT, um dos partidos que ajudou a formular a pauta dos 10% do PIB para a educação pública no final dos anos 1980, e seguiu defendendo esse investimento nos anos 90. Agora o partido coloca como meta 8% do PIB para a educação. Além disso, o investimento previsto é para educação pública e privada - sobrando ainda menos para o ensino público no Brasil.

A luta deve ser feita a partir da organização, feita de forma independente, dos professores e demais trabalhadores, a partir dos locais de trabalho. Devemos exigir qualidade de ensino e condições de trabalho e estudo dignas para estudantes, professores e demais servidores!

Os docentes de 51 IFES (Instituto Federal de Ensino Superior) estão paralisados há mais de um mês pelo país. O governo federal ainda não fez propostas descentes aos professores, o que mostra o grande descaso com a educação pública. Mas as lutas históricas dos trabalhadores mostram que é só cruzando os braços e fazendo greve que conseguimos fazer pressão e trazer avanços para a educação. Prova disso é nossa Campanha de Lutas deste ano, em que conseguimos o histórico reajuste salarial de 19,56%.

E no magistério?

Uma das metas do PNE é “oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica”. Se a jornada escolar vai aumentar em diversas instituições de ensino, é necessário que isso aconteça com suporte e investimento necessário. Caso contrário, o resultado pode ser tão desastroso como o programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) nas universidades federais, que expandiu as vagas nos cursos superiores sem aumentar suficientemente o número de professores, técnicos e servidores, e nem melhorou as condições físicas das universidades de forma a promover ensino de qualidade para todos os estudantes.

Se a meta do PNE para o ensino básico for colocada na prática sem recursos suficientes para garantir a qualidade, os efeitos negativos do REUNI que sucatearam nossas universidades vão atingir também os outros níveis de ensino.

Além disso, o novo PNE visa fomentar a entrada da iniciativa privada na educação. Uma das estratégias presentes no texto do PNE é “Estimular a oferta de atividades voltadas à ampliação da jornada escolar de estudantes matriculados nas escolas da rede pública de educação básica por parte das entidades privadas de serviço social vinculadas ao sistema sindical de forma concomitante e em articulação com a rede pública de ensino”.

O governo propõe maior jornada de trabalho nas escolas, aumentando o turno integral, mas quer se abster da sua responsabilidade de garantir atividades suficientes para o período extra, abrindo espaço para a privatização do ensino com a entrada da iniciativa privada nas escolas.

Devemos ficar atentos e lutar contra a irresponsabilidade do governo que trata a educação com descaso e sucateia o ensino de nosso país. Queremos educação gratuita, e não mais investimento privado em nossas escolas! Vamos lutar por educação de qualidade, com boas condições de trabalho e ensino. Vamos lutar pela implantação do investimento necessário para que todos os trabalhadores possam ter acesso à educação de qualidade!

MPT/RS ENVIA NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA PARA 500 INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADO SOBRE O EXCESSO DE TRABALHO EXTRACLASSE

Procurador do MPT/RS, Rogério Uzun Fleischmann
Foto: Valéria Ochôa, Ascom Sinpro/RS
Na última terça-feira, 12 de junho, o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) enviou notificação recomendatória para 500 estabelecimentos de ensino privado de todo o estado sobre o excesso de trabalho extraclasse dos professores. Conforme dados do Inep, 42.099 docentes atuam da rede privada de ensino do RS, sendo 26.913 na educação básica e 15.186 na educação superior.

Desde dezembro de 2011 foram realizadas uma audiência pública e três reuniões mediadas pelo procurador do trabalho Rogério Uzun Fleischmann com participação do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) e Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado no Estado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS). Ao que seria a quarta reunião, o Sinepe, além de não comparecer, negou-se a seguir tratando do assunto. De acordo com o procurador do trabalho, "a notificação recomendatória se fez necessária após o não avanço nas negociações entre os sindicatos". O documento, em resumo, aponta seis recomendações às escolas:

I - abstenham-se de qualquer ato que implique, ao fim e ao cabo, impedimento ou comprometimento do descanso remunerado do empregado, cabendo-lhes, para tal abstenção, a utilização de medidas concretas, a serem buscadas na dinâmica própria de cada unidade escolar;

II - não se valham de novas tecnologias para, ao invés de simplesmente substituírem antigos mecanismos por mais modernos, obrigarem os professores a trabalho que antes, na medida em que realizado de forma presencial, implicava correspondente remuneração;

III - não exijam dos professores interação eletrônica direta com os alunos e seus responsáveis, inclusive na modalidade de “recuperação permanente”;

IV – não exijam dos professores postagem eletrônica de material didático de forma regular e fragmentada, ou seja, feita para períodos curtos e submetida a constante renovação ou utilização, especialmente quando se trate de material de complementação da aula, nela não fornecido;

V - não transformem a postagem eletrônica em mecanismo de interlocução permanente com o aluno;

VI – estabeleçam permanente diálogo com professores, alunos e responsáveis, sobre o excesso de labor extraclasse, no intuito de alcançar soluções que visem à proteção dos direitos dos professores ao lazer, ao descanso e à saúde, inclusive no interesse da boa prática docente.

"A notificação baseou-se naquilo que foi consenso entre as partes. Infelizmente, não houve possibilidade de, em conjunto, redigir documento, mas os debates foram muito ricos e, para um problema tão complexo e central na vida moderna, não seria conveniente furtar-se o Ministério Público a externar aquilo que entendeu ser consenso. Trata-se de notificação que não teve por base investigação a respeito das condições concretas de cada instituição de ensino, mas considerou, em tese, as reclamações do SINPRO e de professores. A notificação objetiva garantir que, no futuro, as instituições de ensino tenham o cuidado para que os professores não percam o direito sagrado ao descanso em nome da produção. Ademais, há uma referência expressa na notificação aos pais e responsáveis, que também devem irmanar-se nesta busca. O direito à boa educação não autoriza o sacríficio do descanso, que é fundamental inclusive para um trabalho qualificado", explica Fleischmann.

A íntegra do documento pode ser lida em
http: //www.prt4.mpt.gov.br/pastas/noticias/mes_junho12/1206not_sinpro_sinepe.pdf

MOBILIZAÇÃO EM PORTO ALEGRE PELA VALORIZAÇÃO DOS PROFESSORES

Caminhadas na Praça da Encol e no Parcão
Foto: Igor Sperotto
O Sinpro/RS realizou neste domingo, 24 de junho, duas Caminhadas Pela Valorização dos Profissionais de Educação Infantil, em Porto Alegre, no Parcão, às 10h, e na Praça da Encol, às 14h.


A iniciativa integra uma série de manifestações do Sinpro/RS com o objetivo de denunciar as condições precárias de trabalho e baixos salários dos professores da educação infantil privada no estado e a resistência do Sindicato Patronal (Sindicreches) em conceder aumento real.


O Sinpro/RS está em negociação salarial com o Sindicreches e reivindica reajuste pelo INPC (4,88%) + 10% de aumento real; férias no período de janeiro ou fevereiro; recesso de sete dias em julho; plano de saúde com participação das escolas (50%), ampliação do adicional por tempo de serviço de 3% para 5% a cada quatro anos e remuneração das reuniões pedagógicas quinzenais.


No ultimo dia 19 de junho, uma Audiência Publica na Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS pautou o assunto. Veja como foi a audiência.

sábado, 16 de junho de 2012

RESULTADO DAS ELEIÇÕES SINDPROF/NH

COMUNICAMOS A TODAS(OS)
Com 96.14% dos votos válidos a Chapa 1 vence as eleições do SINDPROF/NH para o triênio 2012 e 2015.





























Veja a composição da nova diretoria: 


Presidente: Andreza Mara Formento
Vice presidente: Francisco Carlos Rodrigues Lopes
1ª Secretária:Valderes Dávila Koenig
2ª Secretária: Maria Elena Apolo Schaab
1ª Tesoureira: Maria Cecília Braun
2ª Tesoureira: Maria Olisa da Silva Alves

SUPLENTES:
Lenira Brisch
Leila Maria Colombo
Sandra Terezinha Finken
Rosane Lisboa Madeira
Cleber Renato da Cunha Machado
Rejane Luiza Doering

A posse da nova diretoria ocorre no mês de julho.

CATEGORIA SE MOBILIZA PARA AS ELEIÇÕES DO SINDICATO

O SINDPROF/NH agradece a todos e a todas que trabalharam arduamente para a realização das eleições do SINDPROF/NH. Em especial ao Luciano, Maria Elite, Maria Celi (SINDICATO dos Sapateiros e Sapateiras), Sindicato dos Comerciários e a nossaincansável Comissão eleitoral SINDPROF/NH (Jaqueline Staudt,Deisi Petry BirkSara BeltrameSilvana Fabris,Déby Turowczuk) e aos o professores Thomas L Mariani e Gabriel Ferreira e as professoras  Maria Valfride  Marcia Dewes, Eliane e Nélia que contribuíram para o fortalecimento do nosso SINDICATO.


PROFESSORAS E PROFESSORAS NA HORA DO VOTO

O SINDPROF/NH prestes a comemorar seus 7 anos em 16 de agosto realiza sua 3ª eleição. Dia  de muita movimentação e trabalho para garantir a participação das professoras e professores.








ASSEMBLEIA APROVA AS CONTAS DA ATUAL DIRETORIA

No dia 05 de junho a assembleia aprovou as contas da atual gestão. Foram aprovadas por unanimidade  as contas do ano de 2011. 

Também foram apreciadas as contas do primeiro trimestre de 2012 e os meses de abril e maio, sendo todas aprovadas por unanimidade.

As professoras  e professores presentes na assembleia também  discutiram e deliberam sobre o Imposto Sindical, recebido no mês de abril pelo SINDPROF/NH. 

Os presentes aprovaram que parte do valor fosse utilizado na atividade cultural, que será realizada no mês de agosto, quando a entidade completa 7 anos o restante deve ficar aplicado na conta da entidade para utilização nas campanhas de lutas do sindicato.






quinta-feira, 14 de junho de 2012

ELEIÇÕES SIND/PROF

Hoje ocorre as eleições do SIND/PROF, tendo como chapa única:

Presidente: Andreza Marfa Formento
Vice presidente: Francisco Carlos Rodrigues Lopes
1ª Secretária:Valderes Dávila Koenig
2ª Secretária: Maria Elena Apolo Schaab
1ª Tesoureira: Maria Cecília Braun
2ª Tesoureira: Maria Olisa da Silva Alves

SUPLENTES:
Lenira Brisch
Leila Maria Colombo
Sandra Terezinha Finken
Rosane Lisboa Madeira
Cleber Renato da Cunha Machado
Rejane Luiza Doering


quinta-feira, 7 de junho de 2012

O PNE NA VISÃO DO GOVERNO FEDERAL


A "Mensagem ao Congresso Nacional" mostra como o Governo Federal encara o Plano Nacional de Educação.


Daniel Cara



No dia 02 de fevereiro de 2012 a presidenta Dilma Rousseff encaminhou a "Mensagem ao Congresso Nacional", por ocasião da abertura do ano legislativo. Conforme o texto de "Apresentação", o documento de 472 páginas objetivava "prestar contas das principais iniciativas do Executivo em 2011" e apresentar as "expectativas" do Planalto "para o ano que se inicia".

Horas depois da leitura da "Apresentação", feita em sessão solene do Congresso Nacional, sites de internet, emissoras de rádio e canais de TV repetiam as prioridades legislativas elencadas pela presidenta: Código Florestal, a Lei Geral da Copa, o Plano Nacional de Educação (PNE), os royalties do pré-sal e o início das discussões sobre o Código de Mineração. Alguns veículos incluíram outros pontos, como a aprovação do Fundo de Previdência dos Servidores Públicos Federais (Funpresp) e a Reforma Política. Na manhã seguinte, os jornais continuaram a repercutir a suposta agenda proposta pela presidenta, o mesmo ocorrendo com as revistas semanais dias depois.

Como toda informação exige verificação - e como queria retomar o blog pelo PNE -, tomei coragem e fui ler o extenso documento. Do conjunto da "Mensagem", priorizei o conteúdo relativo à educação, querendo encontrar o PNE. Li e reli o texto, confesso que insisti... Mas, frustrado, concluí que a imprensa cometeu - no mínimo - um equívoco.

Metodicamente, busquei algo sobre o PNE na parte principal do texto, a "Apresentação". Apenas esse trecho tinha sido lido na sessão solene do Congresso Nacional, concentrando, portando, a seiva da visão palaciana. Teimei, insisti, mas não encontrei qualquer menção ao plano educacional naquela parte. Achando tudo muito estranho até ali, parti para as quase 18 páginas dedicadas às políticas educacionais, localizadas no terceiro tópico do capítulo "Igualdade de direitos e oportunidades". Lá encontrei menção ao PNE, mas o texto foi bem decepcionante.

A primeira menção ao plano educacional é feita na página 159. Diz o texto:

"Ainda em 2011, buscou-se uma aproximação e estabelecimento de diálogo com secretarias estaduais e municipais de educação, fóruns, conselhos municipais e estaduais de educação acerca da (...) da estruturação da proposta do Sistema Nacional de Educação e da definição de linhas de trabalho conjuntas para a inclusão das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) nos planos plurianuais dos Estados e Municípios e de estratégias para a elaboração e fortalecimento dos planos estaduais e municipais de educação." 

No parágrafo seguinte, o texto insiste:

"Dando continuidade às ações de expansão e defesa de uma educação pública de qualidade em todas as suas etapas, o Plano Plurianual (PPA 2012-2015) engloba programas temáticos que se referem à Educação Básica; Profissional e Tecnológica; e Superior - Graduação, Pós-graduação, Pesquisa, Ensino e Extensão e estabelece metas educacionais em consonância com os compromissos enunciados na proposta do PNE, que se caracteriza por ser um instrumento decisivo e estratégico para o presente e o futuro da educação brasileira e os destinos do País. Para 2012, prevê-se apoio técnico aos Estados e Municípios para a elaboração de seus respectivos planos de educação, bem como o incentivo às ações consorciadas na execução das metas previstas no referido Plano." 

De forma sinuosa, mas sincera, o texto da mensagem manifesta a forma como o Executivo Federal vê o PNE. Embora a matéria esteja em processo de tramitação, o texto da mensagem parece assumir que ele terá poucas alterações substanciais. Verdade seja dita, um leitor desavisado poderia até considerá-lo aprovado.

Há alguns meses, embasados por informações fornecidas por especialistas, alguns veículos de comunicação importantes mostravam que mesmo as propostas consensuais do PNE não estavam refletidas adequadamente no PPA 2012-2015. Serviu como justificativa o fato do PNE não estar aprovado até a consagração do PPA.

Embora adiantar-se seja atitude responsável e elogiável na gestão pública, incomoda ler que - mesmo o PNE não estando aprovado - serão firmadas parcerias técnicas e ações consorciadas para a execução de metas ainda não estabelecidas, envolvendo a União, estados e municípios.

Ocorre que o sucesso do PNE ou de qualquer política pública educacional passa pela regulamentação do Regime de Colaboração, determinada pelo artigo 211 da Constituição Federal de 1988.

Ao falar de "apoio técnico" e "ações consorciadas", a "Mensagem" do Executivo ao Parlamento oculta ou opta por ignorar um entrave estrutural à execução das políticas públicas no Brasil: a má distribuição dos recursos e das responsabilidades federativas.

Segundo estudo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (Cedes/PR), a União concentra sozinha boa parte dos recursos arrecadados disponíveis (57,1%). Fica com uma parte do bolo maior do que a soma compartilhada entre os 26 estados, o Distrito Federal (24,6%) e os 5565 municípios (18,3%). Mesmo tendo maior capacidade de investimento, a União não chega a aplicar 3% do seu orçamento em educação. Ainda, conforme dados obtidos no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC), em 2009, a cada R$ 1,00 investido em políticas públicas educacionais, a União colocou apenas R$ 0,20, contra R$ 0,41 dos Estados e do Distrito Federal e R$ 0,39 dos municípios. Escapando à lógica, a regra federativa brasileira determina que quem tem menos recurso disponível acaba investindo mais.

Seria bom ver entusiasmo do Poder Executivo Federal em relação ao PNE. Seria melhor se a União cumprisse com suas responsabilidades constitucionais. No entanto, não é isso que pode ser lido e obtido da "Mensagem ao Congresso Nacional" encaminhada por Dilma. Como em quase todas as leis educacionais, um bom PNE dependerá da força de mobilização e pressão da sociedade civil e da sensibilidade do Congresso Nacional. Nesse aspecto, o ano não nasceu novo.

BRIGA POR ESPAÇO


Professores, pais e acadêmicos discutem o que está por trás da expansão das escolas charter nos EUA; eficácia do modelo e a filosofia educacional trazida por elas não são consensuais


Beatriz Rey

Alunos protestam na Califórnia em defesa da escola pública: escolas charter levantam discussão sobre o papel do Estado

Duas crianças de seis anos conversam no playground de uma escola em Nova York: "não posso brincar com você porque sou acadêmico, e você não". O menino que proferiu a frase estuda na escola charter Pave Academy. Já o "renegado" é aluno da Public ­School 15 Patrick F. Daly. Ambas estão situadas na rua Sullivam, número 71, no bairro do Brooklyn. Desde 2008, elas dividem o mesmo espaço físico. Por esse motivo, a professora Julie Cavanagh, ligada à escola pública, registrou a cena acima.

Do outro lado da cidade, a diretora Julie Zuckerman, que dirige uma escola bem conceituada em East Harlem, enviou um pedido ao Departamento de Educação para abrir uma escola no bairro de Washington Heights. Sua ideia era trabalhar com um currículo sem o foco em testes padronizados. Em 19 de janeiro, ela recebeu o aviso de que o órgão já havia encontrado um espaço para sua instituição. Pouco tempo depois, veio a notícia: o lugar em questão seria transferido para a rede Kipp de escolas charter .

Os dois relatos colocam em evidência algo que vem movimentando o meio educacional americano: a deliberação do Estado de expandir as charter school s, escolas geridas por entidades privadas e financiadas pelo sistema público. Apoiado pelo próprio presidente Barack Obama, esse movimento tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Dados da National Alliance for Public Charter Schools apontam que o número de escolas charter cresceu de 4.638 para 4.919 entre 2008 e 2010, o que representa uma variação de 6,2%. A projeção de crescimento para este ano é de 7,5%. A associação prevê que os estados com maior aumento no número de escolas sejam a Flórida (12%), Illinois (14%) e Nova York (20%). Em contrapartida, essas instituições atendem apenas 4% dos alunos norte-americanos. Os números instigam e têm levado professores e pais ao seguinte questionamento: por que é tão interessante para o governo expandir esse modelo de escolas?

É difícil dizer. Há pouco consenso até mesmo entre os acadêmicos. Aparentemente, as charternão levam os governos estaduais a gastar menos, porque a verba que é originalmente destinada ao aluno da escola pública é gasta mesmo após a mudança  para a unidade do modelo "público-privado". Quem complementa o orçamento excedente são grandes empresas, entidades sem fins lucrativos e outros tipos de doadores - nos últimos quatro anos, a rede Kipp recebeu US$ 160 milhões (R$ 256 milhões) em doações corporativas. Em 2011, o orçamento total do Departamento de Educação de Nova York é de US$ 18,5 bilhões (R$ 29,6 bilhões), sendo que o Estado repassa US$ 13,5 mil anuais a cada aluno das charter .

Uma opinião comum entre os especialistas é a diversidade de escolas do modelo pelo país - encontrar uma única resposta à pergunta inicial é arriscado, já que o cenário muda de acordo com cada estado. Katherine Merseth, professora da Universidade Harvard e autora do livro Inside Urban Charter Schools (algo como Por dentro das escolas charter urbanas ), defende que o investimento se justifica por três motivos. O primeiro seriam as oportunidades de inovação - como estão livres da burocracia do Estado, as escolas podem oferecer melhores salários aos professores, estabelecer currículos diferenciados, aumentar a jornada escolar etc. Além disso, elas proporcionam um elemento que faz parte do ideário norte-americano: a chance de escolha. "Os pais podem realmente escolher em que tipo de escola querem matricular seus filhos", explica. A terceira consequência supostamente benéfica da expansão das charter seria a competição entre escolas. "Tínhamos um monopólio. Foi preciso introduzir forças do mercado e novas ideias que levam as escolas a competir. A competição traz o que há de melhor", defende.

David Berliner, da Arizona State University (ASU), segue uma linha de raciocínio diferente. Para ele, parte da resposta reside no fato de a educação ainda ser uma das áreas "intocadas" pelas grandes empresas em seu país - o que estaria realmente acontecendo é uma tentativa de privatização. "Há muito dinheiro nessa área. A agenda corporativa força essa expansão porque acredita que o mercado vai sempre funcionar", justifica. Mas David também enxerga nessa expansão o esforço de educadores que estão engajados em escolarizar as crianças provenientes de famílias de baixa renda. "Há pessoas abrindo escolas charter para dizer 'eu consigo fazer um trabalho melhor do que aquele feito pela escola pública'", afirma.

Outra tese para explicar o porquê desse movimento é a de que, ao transferir uma parte de suas escolas para a iniciativa privada, o Estado teria menos "trabalho". Katherine Merseth, da Harvard, a refuta e afirma que o trabalho é o mesmo. Em alguns casos, até maior, porque há estados, como Massachusetts e Nova York, que têm de supervisar o funcionamento das escolas. "Escolas públicas tradicionais nunca são fechadas por desempenho ruim", completa. No Arizona, esse tipo de fiscalização praticamente não existe. "Em muitos estados, não há qualquer tipo de acompanhamento. Elas podem ter o desempenho baixo ano após ano e ninguém as fechará", explica David Berliner, da ASU.

Resultados
A relação entre o investimento do governo e a capacidade de essas escolas produzirem um "modelo" passível de ser aplicado em escolas públicas tradicionais também é uma questão em aberto. "Não creio que haja qualquer pessoa capaz de dizer que elas produziram um modelo. Ou custam muito caro, ou fazem algo que já é feito", explica. Berliner cita o caso de Geoffrey Canada, presidente da Harlem Children's Zone, no Harlem, e um dos personagens principais do documentário Waiting for Superman , de Davis Guggenheim. "Sou fã do que ele está tentando fazer, mas se o modelo é gastar US$ 20 mil por aluno, não temos nada sustentável para a escola pública", afirma.

Já Katherine acredita que há muitas ideias e técnicas que podem ser extraídas das charter . Como exemplo, cita uma prática das escolas Kipp conhecida por slant (inclinação). "É uma técnica que diz: sente-se, ouça, compareça, acene e rastreie quem está falando. Isso seria bom para qualquer sala de aula", defende. Em seu livro, a professora da Harvard chega a uma conclusão: muito pouco do que é feito nas charter está longe da capacidade das escolas públicas. "Se aquelas que analisei oferecem prova de que os testes padronizados são viáveis, as públicas também possuem práticas de sucesso em artes, línguas estrangeiras e educação especial", afirma.

A discordância entre os acadêmicos não é fortuita. Há pesquisas que apontam ganhos acadêmicos e outras que evidenciam as falhas de escolas do modelo charter . Um estudo realizado pelo Center for Research on Education Outcomes (Credo), na Universidade Stanford, aponta que 17% dessas escolas apresentaram ganhos acadêmicos melhores que os das escolas tradicionais; 37% apresentaram resultados piores e 46% obtiveram resultados iguais aos das escolas públicas. O trabalho analisou os resultados em testes estaduais de leitura e matemática em mais de 70% das charter nos EUA (ao todo, foram 15 estados analisados).

Por outro lado, uma pesquisa conduzida pelo departamento de Economia da própria Universidade Stanford revela os impactos dessas escolas em Nova York. Para realizá-lo, os economistas compararam os alunos que entraram em charter e aqueles que se candidataram mas não foram sorteados (a matrícula é feita por um sorteio chamado lottery ).

Descobriu-se, por exemplo, que um ex-aluno de charter apresenta três pontos a mais para cada ano que passa dentro da escola no exame Regent, responsável pela emissão do diploma do ensino médio regular no Estado de Nova York. Por último, para cada ano que passam na escola, aqueles que frequentam as escolas do modelo têm 7% a mais de chance de ganhar o diploma Regent aos 20 anos.

Consenso: a evasão
Entre tantas divergências, há um problema apontado até mesmo por aqueles que trabalham nessas escolas: a alta taxa de evasão. Um estudo conduzido no início deste ano pela entidade de pesquisa SRI International descobriu que, nas escolas Kipp da área de São Francisco (Califórnia), 60% dos alunos deixam os estudos antes do término do ensino fundamental. A informação mais relevante é que há evidências de que aqueles que largam os estudos antes do tempo previsto são os mais fracos, e o fazem por conta do rígido programa conduzido pela Kipp (jornada integral, com aulas aos sábados, altas doses de lição de casa etc.).

Josh Zoia, diretor da Kipp Academy Lynn, em Boston, conta que esse foi um dos problemas que a escola encontrou logo após sua inauguração. No início, 35 alunos de um total de 350 deixavam a escola sem concluir o ensino fundamental. "Percebemos que dizer 'tentamos mas não funcionou' não era bom o suficiente. Isso acontecia porque as crianças não se relacionavam com os adultos da escola. Instituímos sistemas de tutoria e aconselhamento, passamos a oferecer matérias optativas", conta. Hoje, a escola apresenta a menor taxa de evasão da rede Kipp: em 2010, 7 de 350 crianças não concluíram o curso. As aulas na unidade começam às 7h e terminam às 17h, e aos sábados vão das 9h às 13h. Além das disciplinas tradicionais, o currículo hoje abrange dança, futebol, artes marciais, basquete, artes e outras optativas. "As crianças devem fazer a lição de casa. Se não fazem, não participam do recreio, que existe para ser um espaço de diversão mas também é um motivador, um prêmio por bom trabalho", diz.

A filosofia educacional por trás das escolas charter é mais um objeto de discussão. Em abril, uma professora ("Miss C") fez um relato contundente a um blog sobre sua experiência em uma charterno bairro de South Bronx, em Nova York. Publicado no site de Mary Ann Reilly (maryannreilly.blogspot.com), também docente, o texto fala sobre o cotidiano da escola. "Fiquei horrorizada ao descobrir que meu dia inteiro era programado. Lembro de uma lição de matemática sobre os múltiplos de 10. 'Depois de cada verso, diga uhn duas ou três vezes no ritmo'. Reduzi a experiência docente a regurgitar linhas de uma página", escreve. "A programação incluía o que, quando e como ensinar, além de como colocar os alunos em fila, como ensiná-los a andar no corredor, o quanto e o quê dar de lição de casa, como arrumar os móveis, como distribuir lápis e giz de cera", desabafa.

Questões em aberto
A realidade descrita por "Miss C" não pode ser aplicada a todas as escolas do modelo espalhadas pelos EUA, mas encontra eco na fala de pais que estão cada vez mais envolvidos na discussão sobre os rumos da educação no país. Christina LaBrie, advogada e mãe de dois alunos matriculados na Public School 9 Teunis G. Bergen, em Nova York, faz parte do grupo que luta pela expansão da escola, que só funciona até a 5ª série do ensino fundamental - a ideia é fazer com que a PS 9 ofereça todo o ensino fundamental. Entretanto, em 20 de dezembro do ano passado, a instituição recebeu a notícia de que passaria a dividir o espaço com uma unidade da Uncommon Shools, uma das maiores redes de charter no país. Há quatro meses, pais e profissionais ligados à escola brigam com a prefeitura por sua expansão - o Departamento de Educação ainda não tomou uma decisão final. Christina afirma que, independentemente da resposta, seus filhos só estudarão em escolas públicas. "A PS 9 é focada na criança como um todo. Há um comprometimento com artes e o ambiente não é rígido, entre outras coisas. É a educação que eu quero para os meus filhos", diz.

Em meio a tantos interesses corporativos e demandas pessoais, resta saber o que o Estado americano, ali naquele ponto em que seus interesses se encontram com aqueles da sociedade americana, quer para si. Nesse caso, a soma de múltiplos projetos particulares não parece resultar em um projeto coletivo. 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

ELEIÇÕES SINDPROF/NH


REINVENTANDO A EDUCAÇÃO, ARTIGO DE LEONARDO BOFF


Muniz Sodré, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é alguém que sabe muito. Mas o singular nele é que, como poucos, pensa sobre o que sabe. Fruto de seu pensar é um livro notável que acaba de sair: Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes (Vozes 2012).
Nesse livro procura enfrentar os desafios colocados à pedagogia e à educação que se derivam dos vários tipos de saberes, das novas tecnologias e das transformações processadas pelo capitalismo. Tudo isso a partir de nosso lugar social que é o Hemisfério Sul, um dia colonizado e que está passando por um instigante processo de neodescolonização e de um enfrentamento com o debilitado neoeurocentrismo hoje devastado pela crise do Euro.
Muniz Sodré analisa as várias correntes da pedagogia e da educação desde a paideia grega até o mercado mundial da educação que representa uma crassa concepção da educação utilitarista, ao transformar a escola numa empresa e numa praça de mercado a serviço da dominação mundial.
Desmascara os mecanismos de poder econômico e político que se escondem atrás de expressões que estão na boca de todos como “sociedade do conhecimento ou da informação”. Melhor dito, o capitalismo-informacional-cognitivo constitui a nova base da acumulação do capital. Tudo virou capital: capital natural, capital humano, capital cultural, capital intelectual, capital social, capital simbólico, capital religioso…capital e mais capital. Por detrás se oculta uma monocultura do saber, aquele maquínico, expressso pela “economia do conhecimento” a serviço do mercado.
Hoje projetou-se um tipo de educação que visa a formação de quadros que prestam “serviços simbólico-analíticos”, quadros dotados de alta capacidade de inventar, identificar problemas e de resolvê-los. Essa educação “distribui conhecimentos da mesma forma que uma fábrica instala componentes na linha de montagem”.
A educação perde destarte seu caráter de formação. Ela cái sob a crítica de Hannah Arendt que dizia: “pode-se continuar a aprender até o fim da vida sem, no entanto, jamais se educar”. Educar implica aprender sim a conhecer e a fazer, mas sobretudo aprender a ser, a conviver e a cuidar. Comporta construir sentidos de vida, saber lidar com a complexa condition humaine e definir-se face aos rumos da história.
O que agrava todo o processo educativo é a predominância do pensamento único. Os americanos vivem de um mito o do“destino manifesto”. Imaginam que Deus lhes reservou um destino, o de ser o “novo povo escolhido” para levar ao mundo seu estilo de vida, seu modo de produzir e de consumir ilimitadamente, seu tipo de democracia e seus valores de livre mercado. Em nome desta excepcionalidade, intervem pelo mundo afora, até com guerras, para garantir sua hegemonia imperial sobre todo o mundo.
A Europa não renunciou ainda a sua arrogância. A Declaração de Bolonha de 1999 que reuniu 29 ministros da Educação de toda a Europa, afirmava que só ela poderia produzir um conhecimento universal, “capaz de oferecer aos cidadãos as competências necessárias para responder aos desafios do novo milênio”. Antes a imaginada universalidade se fundava nos direitos humanos e no próprio Cristianismo com sua pretensão de ser a única religião verdadeira. Agora a visão é mais rasteira: só a Europa garante eficácia empresarial, competências, habilidades e destrezas que realizarão a globalização dos negócios. A crise econômico-finaneceira atual está tornando ridícula esta pretensão. A maioria dos países não sabem como sair da crise que criaram. Preferem lançar inteiras sociedades no desemprego e na miséria para salvar o sistema financeiro especulativo, cruel e sem piedade.
Muniz Sodré em seu livro traz para a realidade brasileira estas questões para mostrar com que desafios nossa educação deve se confrontar nos próximos anos. Chegou o momento de construirmo-nos como povo livre e criativo e não mero eco da voz dos outros. Resgata os nomes de educadores que pensaram uma educação adequada às nossas virtualidades, como Joaquim Nabuco, Anísio Teixeira e particularmente Paulo Freire. Darcy Ribeiro falava com entusiasmo da “reinvenção do Brasil” a partir da riqueza da mestiçagem entre todos representantes dos 60 povos que vieram ao nosso pais.
A educação reinventada nos deve ajudar na descolonização e na superação do pensamento único, aprendendo com as diversidades culturais e tirando proveito das redes sociais. Deste esforço poderão nascer entre nós os primeiros brotos de um outro paradigma de civilização que terá como centralidade a vida, a Humanidade e a Terra que alguns também chamam de civilização biocentrada.
Leonardo Boff é autor de Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito, Vozes 2005.
* Artigo originalmente publicado por Leonardo Boff em seu blogue pessoal.
EcoDebate, 06/06/2012