segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A MULHER, O TRABALHO E O TEMPO


Carmen Rivas[1]
Camila Nunes[2]

Na história ocidental, foi partir da Revolução Francesa que as mulheres começaram a criar lutas específicas de reivindicações. A partir disso, o feminismo se constituiu como ação política visivelmente organizada: “reivindicando seus direitos de cidadania frente aos obstáculos que o contraria, o movimento feminista, na França, assume um discurso próprio, que afirma a especificidade da luta da mulher” (ALVES; PITANGUY, 1991, p. 32)[i]. A teoria feminista é, também, uma teoria de crítica da sociedade enquanto estrutura organizacional. Apesar dos precedentes, foi apenas no fim do século XIX que o movimento feminista surgiu enquanto organização social efetiva na Europa e nos Estados Unidos, protagonizada por mulheres de classe média e alta. O feminismo também é incorporado pelas mulheres operárias nos EUA, apesar de essas só terem alguma voz na sociedade a partir das lutas sindicais organizadas, incluindo mulheres de classe média e operárias. Assim, foram surgindo lutas pelo voto feminino – também conhecida como sufrágio – conseguido no século XIX em alguns países europeus e XX nas Américas.
 A partir da década de 1960, mulheres dos EUA, Europa, Brasil e de outros países latinos começam uma ação comunicativa que daria origem a segunda onda do Movimento Feminista, que, segundo Jürgen Habermas, é o movimento social mais bem constituído em comparação ao outros considerados movimentos de minoria, pois está sempre se remodelando – e que surge atualmente com novas bandeiras, em novos braços em luta por direitos, como a Campanha do Aleitamento, o Movimento das Mulheres Negras Universitárias, das Católicas, das Lésbicas, movimentos contra a violência física e psicológica da mulher. No Brasil, esse movimento só irá se organizar em lutas depois da redemocratização, ou seja, na década de 1980.
As formas patriarcais da mentalidade que legitimam a subordinação da mulher na sociedade, no trabalho, na escola, nos meios de comunicação e em todos os tipos de relação sociais são práticas ainda presentes em grande parte do mundo. Porém, em um dado momento, a mulher trouxe esses movimentos para sua perspectiva, e que provocou a desconstrução do foco macro para o micro – para si. Nesse sentido, “a teoria feminista teria como sua atribuição própria lançar luz em uma série de fenômenos que são invisíveis ou foram percebidos de forma mistificada a partir de outras direções de pensamento (AMORÓS, 2008, p. 12)[ii].
As mulheres contemporâneas saem em busca do direito ao planejamento familiar, em que seu corpo é visto como propriedade do outro e sua sexualidade não é respeitada. As lutas trazem temas como o direito ao aborto, o direito de um período maior de aleitamento e de Licença Maternidade no Brasil, pois em outros países, como a Itália, esse período é de 8 meses a 1 ano dependendo do caso. A visão machista latinoamericana ainda é mais patriarcal do que a das demais sociedades ocidentais, sendo notório que a reivindicação de direitos das mulheres é amplamente ridicularizada, uma vez que perseguições no trabalho, na atuação política e na vida social são muito presentes e bastantes reincidentes. Não ocorre o respeito a um ser que possui o “dever, ou direito, ou responsabilidade” de procriar. A maternidade compulsória traz o corpo feminino como mero invólucro para geração de outra vida, mas que é também denominada pelos economistas como “reposição de futuros ativos”.
 A sociedade civil impingiu apenas à mulher o direito do cuidar dos filhos – e em período muito tenro ela o cuida, mas por apenas quatro meses? E depois? As crianças não precisam mais de cuidados? Como deslocar mulheres para lugares distantes de seus filhos por caprichos de autoridades? Como não respeitar esse direito que a própria sociedade civil deu a ela? Como ficar em casa se muitas fazem o papel do “chefe de família” expressão machista de autodeterminação? E como ser professora nesse contexto, onde será acrescida mais uma jornada exaustiva de trabalho? É proibido viver com dignidade – trabalho perto de casa, hora para se dedicar aos filhos e horas para se reorganizar como mulher e profissional nesse país, estado ou região? E como mulheres investidas em cargos superiores podem desconhecer esses direitos e agirem como machistas de mentalidade patriarcais desestabilizando famílias por caprichos políticos? Observamos, desse modo, que ainda existe forte preconceito para com a condição da mulher dentro de uma sociedade classificada como “machista” por parte tanto dos homens como de algumas mulheres. O direito de discutir, de debater ideias, de repensar relações homem/mulher, poder/cidadania é um direito democrático essencial, para retirar o quanto maior possível os resquícios de atraso de mentalidade na sociedade civil brasileira.



[1] Professora Colégio Nossa Senhora das Mercês/ Salvador-BA.
[2] Professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências – Professor Milton Santos/UFBA



[i] ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
[ii] AMORÓS, Celia. 2008. Movimentos feministas e ressignificações lingüísticas. In: Tiburi, Marcia & Valle, Barbara (Orgs). Mulheres, Filosofia ou coisas do gênero. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, pp. 12-39.


Nenhum comentário: