terça-feira, 10 de novembro de 2015

“Qual o gênero da escola?” – A feminização do Magistério


Jéssica Moraes *

Para se refletir sobre as práticas das professoras e dos professores na contemporaneidade se faz necessário, antes de tudo, entender quem são ess@s profissionais e como a carreira foi sendo configurada até a atualidade.
Guacira Lopes Louro (1997, p. 88) nos convoca a pensar, num primeiro momento, sobre “qual o gênero da escola?”. A autora discute que a resposta é que a escola é “feminina”, composta por mulheres, por professoras e, destaco que, no âmbito da Educação Infantil essa realidade é ainda mais forte. A tarefa da escola é tradicionalmente feminina, pois envolve educação, vigilância e cuidado. Guacira também destaca que há os que respondam que o gênero da escola é “masculino”, pois ela trabalha com o conhecimento e que ele foi, durante a história, construído pelos homens. Ressalta também que, desse modo, é difícil encontrar qual seria a resposta mais adequada, mas que essa realidade evidência que os gêneros [1] atravessam a escola.
Considerando esse atravessamento dos gêneros no ambiente escolar, como propõe a autora, não há como não levar em conta a feminização do Magistério. No século XIX, para o Estado Brasileiro, a educação possuía uma força civilizadora fundamental para a manutenção da ordem e do consenso e os professores eram vistos como tentáculos do poder político
O processo que se referia à constituição da profissão do professor era pensado por homens e, no período colonial, a mulher não esteve presente nem mesmo como aluna nas escolas brasileiras e suas atividades eram restritas apenas aos cuidados da casa. Somente, então, como a Lei de 15 de Outubro de 1827 que as primeiras escolas primárias destinadas ao público feminino foram criadas, proporcionando, desse modo, algumas vagas para as mulheres no magistério. Também vale ressaltar que a primeira escola Normal [2] no Brasil surgiu em 1835, no estado do Rio de Janeiro, relacionada à iniciativa das Províncias e possuía caráter elitista e com uma proposta educacional com caráter seletivo e excludente, principalmente no que tange aos conteúdos, classe social e gênero.
Louro (2011), ao também analisar a história da feminização do magistério, ressalta que os homens foram abandonando a carreira em função do desenvolvimento urbano e do desenvolvimento industrial. E as mulheres começaram a ingressar na carreira devido ao impulso religioso, pois, nesse contexto, o magistério era visto como algo que fazia relação à função materna, pois assemelhava a mulher à “mãe espiritual”.
Já no início do século XX, o Curso Normal era valorizado na sociedade, em função da preparação para o matrimônio e da profissionalização das jovens mulheres solteiras. Com o tempo, nas décadas de 30 e 40 do referido século, saberes técnicos e científicos para cuidar e educar as crianças foram empregados ao Curso Normal e essa modalidade de ensino se definiu como um ensino profissionalizante. Nessa época, as turmas do Curso eram compostas por moças da classe média que viam a única possibilidade de realização profissional no magistério. No entanto, na década de 60, o curso começa, gradativamente, perder seus status e a enfrentar situação de desvalorização e empobrecimento e, nas décadas seguintes, as professoras começam a reivindicar seus direitos e a se organizarem em sindicatos e movimentos de luta e, desse modo, o público que frequentava o Curso Normal deixou de ser o da classe média e passou a ser o da classe popular
Diante desse contexto de feminização da profissão docente e gradativa desvalorização, é possível encontrar nas escolas contemporâneas professores desmotivados e imersos a uma cultura que ainda prega conceitos naturalizados. Para entendermos o fato de a escola ainda reforçar algumas formas de “referência” sobre as identidades das crianças, basta que entendamos como as professoras e alguns poucos professores que atuam com as crianças pequenas foram sendo constituídos até hoje. Pelo fato de termos na Educação Infantil muitas professoras e poucos professores, já legitima alguns padrões à carreira docente e, não me espanta, que binarismos sobre o ser homem e ser mulher ainda estejam naturalizados na sociedade e na escola.
Segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação em 2010, 97% dos professores da Educação Infantil no Brasil são mulheres e, em toda a Educação Básica, 81,5% são mulheres [3]. Ou seja, no Brasil, 8 em cada 10 professores da Educação Básica são mulheres e, especificamente na Educação Infantil, 9 em cada 10 professores são mulheres.





  
Fonte: Ministério da Educação, 2007.


Os dados apresentados no quadro acima, que mostram que apenas na Educação Profissional o número de professores é maior em relação às professoras, pode ser problematizado a partir das discussões de Marisa Vorraber Costa (1995) sobre o trabalho docente, quando considera que a pirâmide educacional é edificada por um sistema de exclusão, ligado, além da classe e do status socioeconômico, também às questões de gênero, no momento em que se estabelecem oportunidades desiguais às mulheres nos níveis mais elevados de ensino.
Diante dessa realidade, considero importante ressaltar aqui que professoras e professores precisam estar em constante processo de atualização, para que seja possível estranhar o olhar em relação à realidade que se tem nas escolas hoje, tanto das próprias professoras e professores, como as diversidades e discursos sobre os modos de se viver as masculinidades e feminilidades na cultura atual.
Além disso, também destaco que embora pareça que o Magistério se feminizou em função da fragilidade e da falta de valorização à mulher, em essência, essa conjuntura simboliza algo muito maior: nós, mulheres, acreditamos no ser humano, nós não desistimos de lutar apesar de todas as adversidades. Nós, mulheres, somos a maioria na profissão docente porque não temos medo da luta, por isso seguimos no caminho para a construção de um mundo melhor, que é trabalhar com o ser humano e a educação. Empoderemo-nos, empoderemos umas às outras, vamos à luta, pois ninguém melhor que nós mesmas para reconhecer nosso poder e valor!

* Professora da rede municipal de Novo Hamburgo e membro da direção do SindProfNH



[1] Quando uso “gêneros”, em destaque e grafado no plural, refiro-me à multiplicidade das identidades de gênero.
[2] Nomenclatura utilizada no Brasil até o ano de 1971 (Decreto-Lei nº 8.530/46), sendo reintegrada no ano de 1996, a partir da LDBEN, nº 9394/96. Fonte: Valduga (2005).
[3] Dados disponíveis em: .


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: MEC, 2007.
COSTA, Marisa Vorraber. Trabalho docente e profissionalismo.  Porto Alegre: Sulina, 1995.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

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