quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ATRASO COMPROMETE METAS DO PLANO DE EDUCAÇÃO

Conferência definiu que a União deveria investir 10% do PIB no setor até 2014, mas governo diz que porcentual não passará de 7%.
O atraso no envio do Plano Nacional de Educação (PNE) ao Congresso Nacional pode comprometer a execução das metas previstas para a próxima década. Na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o envio seria feito hoje, mas a expectativa era de que o documento já estivesse com parlamentares no primeiro semestre deste ano, logo após o fim da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em abril.
Uma questão que promete ser polêmica no PNE é o valor do Produto Interno Bruto (PIB) que será destinado ao investimento no setor. Na Conae ficou acordado que o porcentual chegaria a 10% até 2014, mas Lula já adiantou que o valor ficará em 7%. Os cerca de 3 mil educadores participantes do evento haviam deliberado que o porcentual de 7% seria aplicado já em 2011. Hoje o que o país gasta com Educação não chega a 5%.
As Metas do PNE
Além de cumprir as metas da próxima década, o país precisa efetivar o que estava previsto no plano de 2001-2010. Confira os avanços e desafios da Educação no Brasil na última década:
Avanços
- Ensino de 9 anos: em 2009 todos os municípios e estados foram obrigados a incluir crianças com 6 anos no ensino fundamental. Mas, apesar de já ser lei, ainda levaráalgum tempo para que os gestores se adaptem e ofertem ensino de qualidade. Isso porque a mudança exige novo projeto pedagógico e adaptação na infraestrutura.
- Financiamento: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foi reformulado em 2007 e passou a atender toda a Educação básica, desde Educação infantil até ensino médio.
O Fundeb elevou os investimentos da União de R$ 500 milhões para cerca de R$ 5 bilhões anuais. Além disso, a partir de 2009 a Desvinculação das Receitas da União (DRU) passou a deixar de incidir gradativamente no orçamento da Educação. Desde 1996 a DRU permitia que o governo retivesse 20% dos impostos federais sem justificativa. A expectativa é que o Ministério da Educação (MEC) tenha mais cerca de R$ 7 bilhões anuais para investir.
- Piso Nacional: desde 2009 vigora no Brasil o piso salarial nacional para os docentes deEducação básica. Com uma jornada de até 40 horas por semana, os professores ganham hoje R$ 1.024,67. Porém os governos de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Ceará contestam o piso na Justiça.
- Sistema de avaliação: o MEC conseguiu criar um sistema de avaliação que consegue mostrar a realidade da Educação no país. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é uma referência para o país.
Desafios
- Investimento: o porcentual de 7% era uma reivindicação para o Plano Nacional deEducação de 2001-2010. Estudos apontam que somente a Educação básica precisaria de 8%. De 2007 para 2009 o orçamento do setor quase dobrou, passando de R$ 25 bilhões para R$ 44 bilhões, mas ainda é insuficiente.
Contando com estados e municípios, o valor chega a R$ 100 bilhões, mas segundo especialistas precisaria dobrar.
- Qualidade: mesmo com os avanços nos últimos anos, o país ainda patina na qualidade do ensino. Em praticamente todas as avaliações internacionais os estudantes brasileiros têm desempenho ruim. Relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) divulgado na última semana coloca o Brasil na 53ª posição em um ranking com 65 países.
- Universalização: os esforços para a universalização do ensino fundamental surtiram efeito, mas ainda há cerca de 600 mil crianças fora da escola.
O Ensino de Jovens e Adultos também não atingiu os resultados esperados e a oferta ficou um terço abaixo do esperado. Isso contribui para a manutenção dos 14 milhões de analfabetos no país. Há desafios também no ensino médio.
- Educação infantil e superior: a inclusão da Educação infantil no Fundeb ainda não conseguiu ampliar a oferta de vagas. Menos de 20% das crianças de zero a 3 anos são atendidas. Na outra ponta, a expectativa é que o Brasil chegasse na nova década com 30% dos jovens nos bancos universitários, mas o porcentual ficou em 13%.
Durante o evento, o ministro da Educação, Fernando Haddad, chegou a afirmar que utilizaria o texto produzido na Conae como base para o PNE, respeitando todas as deliberações. O teor completo do documento final elaborado pelo MEC só será conhecido hoje, mas o anúncio da queda no porcentual do PIB investido desagradou a educadores e entidades da sociedade civil. A falta de financiamento preocupa principalmente porque, a partir de 2016, crianças de 4 a 17 anos terão de
obrigatoriamente estar na escola.
A meta era que o plano passasse a vigorar em 2011, já que o anterior acaba em 31 de dezembro deste ano. Mas, com o atraso, a previsão agora é que o documento final só esteja pronto em 2012. Durante este período a Educação ficará sem planejamento. Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o projeto do PNE levará seis meses para ser discutido na Câmara dos Deputados – passando por todas as comissões e sendo votado no plenário –, mais seis meses de discussão no Senado e outros seis na devolução para a Câmara.
Cara argumenta que o texto deve ser discutido com os parlamentares e gestores para que possa efetivamente sair do papel. “Algo feito sem discussão será prejudicial para aEducação.” Assim, afirma Cara, o PNE deverá abranger o período de 2013 a 2022. A batalha no Congresso também incluirá o convencimento dos parlamentares sobre o aumento do porcentual investido do PIB. “Há pesquisas mostrando que somente para corrigir as defasagens na Educação básica seriam necessários 8%. Temos dados técnicos comprovando isso e vamos reivindicar no Congresso”, diz o coordenador.
A secretária educacional da APP-Sindicato, Janislei Albuquerque, é a responsável do órgão por discutir o PNE e esteve na Conae. “O plano teve ampla participação da sociedade e dos trabalhadores da Educação. Queremos que ele seja implantado na íntegra, porque contempla as demandas de todos.” Janislei argumenta que, durante a conferência, o consenso foi que o investimento do Brasil no setor é pequeno. “Os porcentuais deliberados têm de ser respeitados.”
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Carlos Eduardo Sanches, explica que os municípios dificilmente darão conta das metas se não houver ampliação do financiamento federal. Durante a implantação d o ensino de 9 anos, por exemplo, as prefeituras tiveram de arcar sozinhas com a inclusão de meninos e meninas de 6 anos no ensino fundamental.
Sanches argumenta ainda que, sem investimento do governo federal, 80% dos municípios brasileiros não conseguirão garantir que, a partir de 2016, todas as crianças de 4 a 17 anos estejam na escola. “Sem dinheiro da União, não há melhora na qualidade.
Na próxima década temos de investir 10% do PIB. Qualquer outro discurso não é razoável.” Para César Callegari, membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a expectativa é que o plano seja mais conciso que o anterior e tenha metas mais claras, inclusive prevendo a responsabilização dos gestores que não as cumprirem.
Formação
O ministro Fernando Haddad anunciou na segunda-feira que um dos principais eixos do novo PNE será a valorização do professor. Hoje o país tem grandes desafios nesta área.
Os melhores alunos não são atraídos para o magistério e faltam docentes nas áreas de Filosofia e Química, por exemplo. Cerca de um quarto não tem a escolarização exigida para lecionar e 15% dos profissionais do setor apresentam sintomas da Síndrome de Burnout, que revela o grau de estresse e cansaço. Para Mozart Neves Ramos, do Movimento Todos PelaEducação, esta medida precisa ser o carro-chefe para um ensino de qualidade. “Sem professor qualificado ficamos estagnados.”
Planejamento também falta em 15 estados e DF
Se em nível nacional o plano de Educação é problemático, nos estados a situação é ainda mais grave. Levantamento da organização não governamental Ação Educativa mostra que 15 estados e o Distrito Federal ainda não têm o documento, apesar da exigência legal. Para especialistas, o planejamento estadual garante a aplicação dos recursos e melhores resultados.
Na Região Sul, nenhum dos três estados tem o documento. No Paraná, houve discussões entre 2003 e 2007, resultando em uma minuta ainda não enviada à Assembleia Legislativa. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Educação (Seed), o órgão aguarda definições sobre o PNE para construir as estratégias estaduais.
De acordo com Mozart Neves Ramos, do Movimento Todos Pela Educação, o plano estadual define o norte do desenvolvimento da Educação. “É estratégico porque não se torna algo de um governo, mas [uma política] de Estado”.
Apesar disso, ele afirma que o PNE 2001-2010 não conseguiu mobilizar a sociedade porque tinha muitas metas e não havia indicadores ou responsabilidades. “Isso refletiu nas outras esferas.”
Fonte: Gazeta do Povo

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