segunda-feira, 14 de julho de 2014

O IPASEM e o sub-prime gaudério

O Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores tem sido, desde sua criação, uma constante dor de cabeça para os servidores públicos municipais. O que deveria ser o porto seguro dos trabalhadores do município na doença e na velhice, por envolver recursos altíssimos, desperta a cobiça e faz movimentar a articulação política das classes sociais presentes, deixando os objetivos históricos do IPASEM comprometidos. Desde o sumiço de dinheiro à falta de médicos e péssimo atendimento: a cada novo dia, uma nova especulação para o inexplicável.
Ainda em 2005, no início da história do SINDPROF/NH, havia denúncias sobre os caminhos trilhados pelo Instituto e a fragilidade de sua administração. Gerido por cargos de confiança, a história do IPASEM/NH apresenta um grupo de gestores que se revezam não só nos cargos internos, no Conselho Fiscal, no Conselho Deliberativo, mas também nos FG´s, ADP´s e CC´s do poder público. Há um vínculo intestino entre o IPASEM e os políticos de plantão na prefeitura, na câmara, no sindicato.
Este vínculo mostra que o discurso de que a atual gestão desconhece o que ocorreu com o dinheiro não cola. Tanto a atual presidente quanto outros colegas estavam nos cargos de diretoria e de Conselho Fiscal ou Deliberativo e tinham contato com todas as demandas do IPASEM. Se não fosse assim, por que existiram tais conselhos?
Para quem chega agora é importante contextualizar a história do Instituto: criado pela Lei Municipal nº 154/92, foi em 1993 que começou a receber as primeiras contribuições e, desta forma, formando também o fundo previdenciário. Em 1994 passou a ter sede própria e em 2001 iniciou a oferta de procedimentos ambulatoriais. Em 2000 é criada a lei 340/00 que regulamenta a remuneração aos cargos de confiança no IPASEM e institucionaliza a disputa político-econômica para a ocupação dos cargos:
“Art. 112.
Para os efeitos desta Lei, são criados os seguintes cargos em comissão:
I - um cargo em comissão de Diretor de Administração - CC1;
II - um cargo em comissão de Diretor de Previdência - CC1;
III - um cargo em comissão de Diretor de Assistência - CC1;
§ 1º Todos os cargos acima sujeitam-se ao Estatuto do Servidor Público Municipal.
§ 2º O vencimento dos cargos acima criados é fixado em 10 (dez) VRV.
§ 3º Os membros integrantes dos conselhos Deliberativo e Fiscal perceberão remuneração em forma de jeton, correspondente a no máximo 0,92 VRV por mês, conforme dispuser o Regimento Interno dos respectivos conselhos.”



Mas o pior da crise veio se instalar a partir de 2004, quando assumiu a presidência do IPASEM o guarda municipal Valnei Rodrigues, indicado para o Conselho numa das vagas do Grêmio Sindicato dos Funcionários Municipais e indicado pelo Executivo para a presidência em 6 de outubro de 2004, onde ficou até 2011; e depois, até 2013, como Diretor de Administração. É importante lembrar que a eleição dentro do Conselho é determinada pela força das indicações do Executivo e da sua capacidade de cooptação do Sindicato. Além disso, a posse dos diretores é feita por ato do prefeito, ou seja, o Conselho pode eleger, mas se o prefeito não assinar, o ato não se efetiva.
Mesmo antes de surgirem as denúncias de administração temerária, isto é, de investimentos em papéis “sub-prime”, o Tribunal de Contas do Estado já considerava irregulares as contas de 2008 do administrador do IPASEM. Naquela ocasião Valnei havia sido condenado a devolver cerca de R$ 30 mil aos cofres públicos, além de ter sido multado pelas irregularidades. O voto do relator do processo diz que “A conduta infringente de normas de administração financeira e orçamentária, em face da gravidade das ocorrências apontadas, sujeita o Gestor à imposição de multa, à fixação de débito e ao julgamento pela irregularidade de contas”.
Coniventes com as irregularidades, Grêmio Sindicato e Prefeitura não substituem o gestor e em 2011 o senhor diretor-presidente é novamente chamado na Câmara de Vereadores a prestar contas de sua arrecadação, especialmente das dívidas da prefeitura com o IPASEM. Esta contribuição é obrigatória, mas de fato a Prefeitura não a paga regularmente desde sempre. Ela envolve não só a parte patronal, mas também a parte recolhida dos servidores. Esta dívida é um problema importante do IPASEM, pois pode comprometer o cálculo atuarial do Instituto e sua previsão financeira para o futuro. Na verdade a Administração trata como um favor o que é sua obrigação, inclusive agindo de forma irregular, na medida em que uma parte dos valores que retém pertence aos trabalhadores, pois foi descontado de seus salários previamente. E com dirigentes do IPASEM comprometidos política e economicamente com a administração, essa irregularidade acaba sendo acobertada.
Em 2011 acontece a troca de presidência no IPASEM. As denúncias de perdas fortes no mercado financeiro que já começam a surgir, a derrota no Grêmio Sindicato e a não reeleição de Volnei Campagnoni para a Câmara, fazem aquele setor do PCdoB perder forças e Valnei é substituído por Eneida Ghener. Em seu primeiro discurso, a presidente recém eleita destaca que “Eusébio Finkler e Valnei Rodrigues, dirigentes anteriores, desenvolveram um ótimo trabalho e me entregaram o Ipasem em condições muito positivas.” Estava apenas sendo diplomática, na medida em que Valnei ainda era seu diretor administrativo e ela precisava sustentar o acordo do governo com a base aliada. O problema tem sido exatamente este: muita política e pouca transparência.
Entretanto, as evidências e a força do prejuízo não sustentaram mais o PCdoB e Valnei foi substituído pelo GM Araújo em 2013, a partir de quando as informações começam finalmente a surgir. Contudo, as notícias vêm a conta gotas e muito bem articuladas pela Administração, afinal toda a publicidade em torno de um golpe financeiro de proporções nacionais desgasta o próprio governo, já que os envolvidos dormem sob suas asas. Se não, por que tanto empenho em impedir uma CPI para investigar a falcatrua do “sub-prime gaudério”?

O golpe

O IPASEM, como todos sabem, investe seus fundos no mercado financeiro como forma de entesouramento e reserva para o pagamento das aposentadorias. Evidentemente estes investimentos devem ter rentabilidade suficiente para superar a inflação e ainda pagar as aposentadorias, a assistência médica e a própria estrutura do Instituto. Estes investimentos são regrados pela legislação, mas esta legislação não cobre todas as possibilidades e permite negócios que podem comprometer o futuro dos servidores.
Uma destas possibilidades era a aplicação em Fundos de Investimentos privados, onde há sempre o risco de falência sem a garantia do Estado. O próprio TCE recomendava (não obrigava) a aplicação em fundos públicos. Mas os administradores foram, vamos dizer, pouco cautelosos, e assumiram o risco dos fundos privados. Investiram num Fundo que, de início, não oferecia as garantias necessárias. O tal fundo, FIDC TrendBank é um fundo de crédito (Fundo de Investimentos de Direitos Creditórios). Funciona assim: alguém compra alguma coisa financiada, gerando um crédito. Este crédito é oferecido no mercado financeiro e comprado por um Fundo. A rentabilidade deste Fundo está relacionada ao índice de inadimplência dos créditos que adquire. Ou seja, quanto mais garantias os que vendem o crédito oferecem, mais segurança e rentabilidade tem o investidor, no caso, o Fundo de Investimento.
O FIDC TrendBank estava com um índice de inadimplência altíssimo, com créditos sem garantia alguma. Era tudo um grande golpe. O Fundo foi criado para extorquir dinheiro dos institutos de previdência, responsáveis por 80% dos recursos que circulam no mercado financeiro (Bolsa de Valores) no Brasil. Os golpistas agiram em vários estados brasileiros, levando a uma situação bastante crítica vários institutos. O Petros (Petrobras) e o Postalis (Correios) perderam juntos mais de R$ 70 milhões. No Tocantins, o ex-presidente do Instituto de Previdência do Estado chegou a ser preso pela Polícia Federal por ser um dos articuladores do esquema. O Instituto de Previdência de lá perdeu R$ 15 milhões. Cubatão, São Bernardo do Campo, Jundiaí e Piracicaba são alguns dos municípios onde as perdas são bastante significativas.
O articulista da Veja, Geraldo Somar, nos dá uma pista de como as coisas funcionam. Diz ele que o caso FIDC TrendBank expõe “as relações aparentemente nada ortodoxas entre os FIDCs de factorings e notórias fundações de grande porte”. Primeiro é necessário dizer que os gestores de recursos de institutos de previdência públicos são pouco cautelosos por natureza, pois não lidam com seu próprio dinheiro e nem com um recurso privado, onde o proprietário não admite erros, mas com recursos públicos, de difícil fiscalização. Assim sendo, são bastante suscetíveis ao recebimento de comissões que os bancos privados podem pagar para captar estes recursos.
Na verdade os créditos do FIDC TrendBank eram falsos, de empresas fantasmas que lançavam créditos uma contra a outra. Mas só quem perdeu dinheiro na jogada foram fundos públicos. Era um golpe armado visando uma determinada vítima, pois se pagassem uma comissão um pouco maior, ninguém faria muitas perguntas.

O que queremos

O IPASEM não é da Prefeitura: é dos servidores e da sociedade. Quem mantém o sistema são os próprios trabalhadores com suas contribuições. A Prefeitura também tem responsabilidade na manutenção com a sua cota-parte, mas a atividade fim visa unicamente os trabalhadores. E é da sociedade porque, ao fim e ao cabo, é constituído de recursos públicos gerados pelos impostos pagos pelos cidadãos.
Essa premissa norteia a compreensão de que a gestão do IPASEM deve ser feita a partir do mecanismo mais elementar da democracia: a eleição direta. Mas não é qualquer eleição. O Executivo deve perder todo o poder sobre o IPASEM, expresso no poder de nomeação. Os Conselhos e direção executiva devem ser escolhidos pelo colégio eleitoral dos servidores e, quiçá, da sociedade. Também a Câmara de Vereadores não pode, a qualquer tempo, fazer leis que interfiram na gestão do Instituto, pois isso o desestabiliza como investidor e o deixa a mercê dos interesses particulares dos políticos de plantão.
Mandatos revogáveis a qualquer tempo e proporcionalidade (cada chapa coloca os membros correspondentes ao percentual atingido na eleição) são outras possibilidades que dariam um perfil mais democrático para a gestão do IPASEM.

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