sexta-feira, 1 de junho de 2012

SER LAICO NÃO É SER CONTRA A RELIGIÃO


Evento coordenado pela Ação Educativa colocou em pauta o ensino religioso nas escolas públicas.

Por Mario Henrique de Oliveira [01.06.2012 17h30]
Apesar de o Brasil declarar em sua Constituição ser um Estado laico, há um enorme abismo entre tal preceito e a realidade existente hoje. “A laicidade do Estado significa que ele deve ser neutro em matéria religiosa e isso não quer dizer que ele seja ateu ou agnóstico, quer dizer que o Estado não tem posição, deve respeitar todas as posições religiosas, mas não pode endossar nenhuma delas”, argumenta Daniel Sarmento, professor adjunto de Direito Constitucional da UERJ e Procurador Regional da República.
Sarmento participou do debate “O Ensino Religioso nas Escolas Públicas: Inconstitucionalidade e Ameaças à Liberdade Religiosa e aos Direitos Humanos”, realizado ontem (31). “Essa neutralidade do Estado implica garantir a liberdade religiosa para as pessoas. É uma garantia importante também do princípio da igualdade, pois não haveria discriminação daqueles que não comungam da religião estatal e ela é extremamente relevante para propiciar uma estabilidade política e social, já que a religião tem um poder muito grande de mobilizar as pessoas”, destacou.
O jurista fez questão de diferenciar a laicidade do Estado do que chamou de “laicídio”. “A laicidade do Estado respeita as religiões e não impede, por exemplo, um religioso de ocupar uma função pública. Ela não é contrária à expressão da religiosidade, como no caso que vimos na França ao se proibir o uso do véu muçulmano. Isso é muito mais grave, é uma discriminação religiosa”, afirmou.
Intolerância religiosa
Denise Carreira, relatora nacional para o Direito Humano à Educação da Plataforma Dhesca Brasil e coordenadora da Ação Educativa, mostrou dados gerados pela relatoria sobre intolerância religiosa, com base em pesquisa realizada nos anos de 2010 e 2011 nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Segundo ela, a intolerância religiosa e o racismo caminham lado a lado, tendo as religiões de matriz africana como principal vítima. O avanço dos conservadores católicos e evangélicos das áreas também é visto como razão para isso.
“Observamos que a intolerância nas escolas públicas se manifesta em violência física, até apedrejamento, sobretudo de estudantes vinculados a religiões de matriz africana. Ela se manifesta também pela negação da identidade religiosa por medo de represálias e casos de demissão ou afastamento de profissionais que são adeptos de religiões africanas ou que abordaram o tema em aula”, descreveu. “Também registramos proibição de uso de livro de religiões africanas, prática de capoeira e danças afros e muitas vezes os professores e diretores se mostram omissos em relação à violência o que acaba causando nos alunos a repetência, a evasão escolar e até a depressão”, disse.
Lei e Consenso
Apesar de o Brasil ser um Estado laico, também consta no texto da Constituição a obrigatoriedade do ensino religioso, além do país ter firmado um acordo com a Santa Sé que prevê o “ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino, o que causa um conflito de interesses. Em muitos locais, o ensino religioso é considerado obrigatório e sua matrícula é feita de maneira automática, apesar de, por lei ele ser facultativa.
Por isso, os envolvidos no debate acreditam que seria a retirada do ensino religioso das escola. Para tanto, seria necessária a criação de uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, mas eles não enxergam uma força política hoje capaz de se articular para essa finalidade. Em vista disso, foram debatidas também algumas alternativas, entre as quaisa criação do Plano Nacional para Enfrentamento da Intolerância Religiosa e de uma Comissão de Enfrentamento de Intolerância Religiosa, a formação de profissionais e gestores para lidar com a questão, revogação do acordo entre Brasil e Santa Sé, revisão do artigo 33 da LDB e eliminação de todos os símbolos e práticas religiosas da rotina escolar. 

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