Por lei, um terço da carga horária do educador deveria ser para atualização, mas na prática tempo não existe ou é mal usado...
Por: Cinthia Rodrigues - IG - 25/04
“Estou há 23 anos em sala de aula.
Durante todo esse tempo não presenciei HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico
Coletivo) que faça justiça ao nome”. O desabafo feito pela professora
Vilma Nardes Silva Rodrigues expõe uma das principais dificuldades que o
educador enfrenta para realizar um bom trabalho: a formação interna na
escola, que deveria ser rotineira, ora não existe, ora se deturpa.
A questão é tema da terceira reportagem da série do iG sobre como o professor tem pouca chance de aprender a ensinar.
Em tese, a carreira dos mestres é estruturada para que ele se recicle e
estude como ajudar seus alunos durante todo o tempo em que estiver na
ativa. A necessidade de aprender constantemente é tão clara – ao menos
na teoria – que existe legislação para garanti-la.
Por lei, um terço da carga horária
remunerada do professor deve ser destinado a atividades extra-classe.
Cabe neste tempo a correção de provas e trabalhos e o planejamento
pedagógico, mas a recomendação do Conselho Nacional de Educação é de que
os profissionais se reúnam para discutir dificuldades e soluções
pedagógicas.
A maioria das redes públicas sequer cumpre a lei.
Em vez de reservar 33% do tempo para que os docentes se preparem e dêem
boas aulas nos outros 66%, prefeituras e Estados esperam que os
profissionais já cheguem preparados. “As pessoas acham que o professor é
um ser que nasce pronto. Longe disso, todos os dias há um duro trabalho
de buscar novas formas de ensinar a partir do diagnóstico dos alunos,
que também é trabalhoso”, diz Norman Atkins, presidente da Escola de
Educação Relay, nos Estados Unidos, e um dos principais críticos ao
ensino apenas teórico que os professores recebem.
Mesmo no tempo destinado à formação,
poucas escolas se dedicam a encarar as dificuldades pedagógicas que os
professores estão enfrentando. “Por mais que estas reuniões sejam
marcadas, o conteúdo é sempre de informes sobre datas, procedimentos e
burocracias”, lamenta Vilma que dá aulas em escola estadual, municipal e
particular em Carapicuíba, na Grande São Paulo.
Ela conta que o tempo previsto fora de
sala nas redes públicas - que não chega a um terço das aulas, mas existe
– sempre tem um roteiro definido por governo ou direção. “Quando, muito
esporadicamente, o tempo é para formação, a equipe se reúne sem saber o
que está ocorrendo com as turmas e o tema acaba sendo um texto, uma
apostila genérica, assuntos distantes do contexto da aula.”
Em uma das melhores escolas municipais
de São Paulo, a Desembargador Amorim Lima, muitos professores estão
prontos para admitir que não têm tempo suficiente para formação. O iG acompanhou um dia de reunião na unidade durante a semana de organização escolar, que antecede o início das aulas.
Os professores foram agrupados por
módulos e passaram a maior parte do tempo ajustando horários, turmas e
como funcionaria a recuperação paralela. À tarde, houve um exercício em
grupo com a leitura de um texto sobre portfólio, proposto pela
consultora voluntária, Fátima Pacheco, uma das fundadoras da Escola da
Ponte (instituição em Portugal que conquistou alunos ao substituir a
divisão tradicional em turmas e disciplinas por projetos).
Todos estavam acostumados com a palavra
portfolio no sentido burocrático, ou seja, sabiam que se tratava de um
documento sobre o desenvolvimento da aula que deviam apresentar. Já o
sentido pedagógico, de identificar o avanço e as dificuldades de cada
aluno, pegou de surpresa vários professores. Ao final, os porta-vozes
dos grupos admitiram que preenchiam o documento, mas não exploravam sua
função. “É algo que deveria ser trabalhado toda semana para que os
educadores pudessem se ajudar, mas a maioria das escolas que visito no
Brasil não usa bem”, comenta a consultora.
A diretora da unidade, Ana Elisa de
Siqueira, reconhece as dificuldades de formação. “O que posso lhe
garantir é que nesta escola todos estão interessados em fazer o melhor. A
Fátima é benvinda e ajuda muito, mas são tantos problemas para
resolver, de toda ordem, que não conseguimos focar sempre no
ensino-aprendizagem.”
Apostilas expõem carência
A educadora Paula Lozano, autora de uma
pesquisa para a Fundação Lemann sobre o impacto da adoção de sistemas
apostilados – que dão roteiros prontos para as aulas – acha que o
resultado é mais uma prova da falta de formação dos professores. Segundo
sua investigação, os municípios que usavam material padronizado
conseguiram melhores resultados que os demais, apesar da qualidade
questionável das apostilas e do impossível nivelamento que elas
pressupõem.
“Alguns sistemas eram bem ruins e, mesmo
assim, tiveram resultado melhor do que as aulas preparadas pelos
docentes. Isso significa que muitos educadores não conseguem organizar
exercícios e atividades para dar conta do conteúdo”, lamenta a
educadora. Para ela, o Brasil devia admitir a carência na formação do
professor e ampará-lo mais enfaticamente. “Na Finlândia, autonomia do professor é ótima, todos sabem como dar aulas maravilhosas. Aqui, nem tanto
Fonte: http://www.apeoesp.org.br
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