sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra


Estamos na Semana da Consciência Negra, período importante para refletirmos sobre a nossa sociedade. Para isso, entrevistamos o professor Dionatan Batirolla, que desenvolve um trabalho cotidiano de conscientização sobre a história e cultura afro-brasileira.


1) Incluído no  Calendário Escolar desde 2003, ano em que a lei 10.639 foi aprovada, o Dia Nacional da Consciência Negra pode ser considerado um passo importante contra o preconceito no Brasil?

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, gestado já na década de 1970 pelo saudoso poeta Oliveira Silveira, historiador gaúcho e militante do Movimento Negro em nosso estado, não vem apenas para nos lembrar da morte de chefe Zumbi, mas sim, e assim o queria o poeta da consciência negra, para que não fosse mais observado o 13 de maio, data a qual fora assinada a Lei Áurea. Não fomos apenas uma das últimas nações a abolir a escravidão (1888), fomos também aquela que negligenciou o futuro de toda uma parcela de nossa sociedade. O 13 de maio não passou de um engodo. Não foi pela tinta da caneta de Isabel que se extirpou uma celeuma brasileira, foi pelo sangue do povo negro. E este sangue ainda corre, infelizmente, não apenas nas veias dos brasileiros, mas nas calçadas, nas cadeias, e mesmo nos palanques.

O 20 de novembro traz à tona “n” questões: o racismo, os outros preconceitos, social, religioso, as cotas em universidades, o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena em nossas escolas, mas também traz o esteio do próprio Movimento Negro, o protagonismo do povo negro. Se hoje, Isabel não é mais vista como quem salvou os negros escravizados de sua própria tala – a ineficiência de sua luta –, é porque houve sim resistência àquele sistema (escravocrata) e ainda há (a outro também opressor, este o de hoje). Foi eficaz e ainda o é. Dandara e Zumbi vivem (!) e é nesta data que ganham ainda mais espaço. A luta ganha!

Se é “um passo importante”? Discutir, promover o debate a respeito da equidade, falar de integração e lembrar da total falta de amparo aos negros após a abolição é sim importante. O Dia da Consciência Negra legitima todo um processo que se quer vivo. Pode não ser um passo recente, como se pensa, mas é um passo em favor de um futuro mais igual. Sem preconceito.


      2) É comum que as pessoas compartilhem nas redes sociais, ou reproduzam um discurso contra a semana da Consciência Negra. Por que isso ainda acontece?

    “Nenhum homem consegue colocar uma corrente no tornozelo de seu companheiro sem finalmente encontrar a outra ponta apertada no seu próprio pescoço” Frederick Douglass
 
    Douglass pode ser um desconhecido para a maioria da população brasileira e faria sentido se pensássemos apenas em sua origem, ele nasceu em um Estados Unidos ainda escravista, mas tendo aprendido a ler logo se insurgiu e tornou-se, por fim, conselheiro de Abraham Lincoln, ocupando espaços destinados originalmente apenas a brancos. Assim como no Brasil, nos EUA também há um momento para se recordar da escravidão e da resistência do povo negro, bem como da busca pela igualdade derradeira – o Mês da História do Negro Americano –, que data já de 1926. É o mês de fevereiro, mês de aniversário de Lincoln, mas também de Douglass.
    É costume dos brasileiros apreciar o que vem dos EUA, se imitam comportamentos, se buscam modelos, mas não se pensa, assim como muito se ignora no Brasil, quem foram os verdadeiros edificadores deste país. O Facebook pouco importa. Ignorar, justamente o que a Semana da Consciência Negra e o Mês da História do Negro Americano não querem e buscam evitar de qualquer maneira, o quão importante foi a contribuição do povo negro à cultura brasileira e à estadunidense é em suma a causa da reprodução de discursos vazios sobre o tema nas redes sociais.
    Quando qualquer um é colocado como o outro, se está ignorando a sua história, pessoal ou de grupo, porque ela não tem o mesmo valor que a minha possui. O problema é fácil de encontrar, por que a minha história é mais importante que a dele? Quem a classificou como melhor?
    E a resposta, por mais evidente que possa ser, não é percebida por um grande número de pessoas, que ao utilizarem as redes sociais não percebem, fazendo minhas as palavras de Douglass, que ao querer ferir quem elas julgam como o outro, estão elas próprias acorrentando-se à ignorância.


    3) As políticas públicas para o combate contra o racismo tem se mostrado eficientes, na sua opinião?

    Ao iniciarmos qualquer discussão acerca de alguma política para o combate ao racismo, vale sempre ressaltar que nenhuma delas caiu do céu, assim como não aconteceu com a Lei Áurea, elas todas são fruto de uma luta incessante e sem trégua, ora de quem não suportava a escravidão ora de quem não suporta o preconceito.
    O simples esforço, o “tentar”, já pode ser encarado como algo digno, o tentar pôr em prática, o tentar propor, o se pôr à disposição da mudança já é muito para uma sociedade que conviveu, sem pudores, com a escravidão (e por três séculos).
    Se há críticas quanto a sua eficácia, seja as cotas, a titulação de comunidades quilombolas, o Estatuto da Igualdade Racial, é porque ainda se esbarra em políticos conservadores, que em muito não desejam a mudança e sendo assim a trancam, assim como fizeram os senhores de escravos com seus cativos, a corrente agora é uma amarra política, que impede a sociedade de crescer. O Estatuto da Igualdade Racial é um bom exemplo, a sua negociação no Senado o fez perder em muito, e me refiro à letra da lei, a sua razão, até porque muitas práticas já empregadas pelo governo o superam.
    Enfim, não questiono a eficácia de tais políticas, mas penso serem elas sim um caminho, que trilhado mesmo que com a maior paciência, será custoso, cheio de dúvidas, talvez recuos, mas que certamente não se encerrará tão logo.

2 comentários:

Lara disse...

Parabéns, DIONATAN. Reflexão, ação ,evolução.

Michele E. Robinson disse...

Adorei! Vale uma formação para professores com esse cara! Parabéns!