quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Relato de uma colega professora: Quando a educação passou a ser um gasto e não um investimento?

No último informativo do SindprofNH, publicamos uma matéria sobre a situação dos EJAs no município. Inspirada por esta reportagem, uma professora (que não quis se identificar), que trabalha em uma destas escolas, enviou um importante relato.

O Sindicato resolveu publicá-lo na íntegra, pois traz reflexões fundamentais para este período em que vivemos:


Quando a educação passou a ser um gasto e não um investimento?

            Neste ano de eleições municipais, muito vamos ouvir sobre como todos os candidatos se importam e se preocupam com os serviços públicos básicos, sobre como eles prepararam uma série de “projetos magníficos” que prometem resolver os problemas da saúde pública, da segurança, da educação, etc. Podemos acreditar cegamente nessas falsas promessas e embarcar nesse discurso fácil de fazer política, ou podemos analisar criticamente a atual situação de nossos serviços públicos e o que realmente foi feito durante a administração e o mandato de cada um dos candidatos.
            Enquanto docente concursada do município de Novo Hamburgo há alguns anos, posso falar apenas por este setor em específico, a educação municipal. E posso dizer que, desde que comecei a dar aulas até agora, a situação da educação em Novo Hamburgo tem decaído bastante.
            Quando entrei no município havia projetos no contra turno das aulas, projetos organizados pelos próprios professores, de acordo com a área de cada um. Na minha escola havia um projeto muito bacana sobre conscientização ecológica, a importância da reciclagem, da reutilização de materiais, as crianças tinham uma horta, mexiam na terra, plantavam. Pouco tempo depois todos os projetos foram cancelados pela prefeitura. O motivo: queriam mais professores dentro da sala de aula, assim eles não precisariam chamar mais professores concursados, o que aumentaria os GASTOS com educação. Neste momento percebi que o município enxerga a educação como um gasto, e não como um investimento.
            A precarização do ensino público continuou e, desde o ano passado, a minha escola tem sofrido com o gravíssimo fenômeno da enturmação. A gente pensa que são só as escolas do estado que passaram por isso e, quando percebe, a secretaria de educação do município de Novo Hamburgo obriga os professores a juntar duas turmas em uma só. Isso tem ocorrido há pelo menos um ano nas turmas de EJA da minha escola. Duas turmas, de dois anos diferentes, têm que assistir às aulas na mesma sala, com apenas um professor. No primeiro semestre as turmas juntadas foram o 6º e o 7º ano. Este semestre, o 7º e o 8º ano dos turnos da noite estão tendo aulas juntos. Assim, um professor precisa dar conta do conteúdo dos dois anos para uma mesma turma. Isso parece esquizofrênico. Cada professor se adapta à situação da melhor forma possível, para evitar que os alunos deixem de receber algum conteúdo. Mas parece que são apenas os professores da escola que estão preocupados com o aprendizado e com o futuro de seus alunos, já que a secretaria de educação do município foi bem clara (e autoritária) ao dizer que não iria contratar mais professores e que as turmas deveriam ficar juntas.
            Além do fato óbvio de que duas turmas de anos diferentes estarem juntas na mesma sala seja muito prejudicial tanto pro professor e mais ainda para os alunos, ocorre ainda que a sala fica abarrotada de alunos, sem espaço nem entre as classes para as pessoas caminhar. Nesse semestre, uma das turmas tem 27 alunos matriculados, e a outra tem 17, ou seja, são 44 alunos em uma sala de aula. Qual a qualidade da aula com tantos alunos para atender? Atendimento individual aos alunos que têm mais dificuldade não será possível, bem como, aquilo que Paulo Freire dizia ser primário para um bom professor, conhecer as especificidades de cada aluno e partir de sua realidade fica muito difícil. Acaba se tornando um ensino de massas, que uniformiza um grupo múltiplo e plural de pessoas.
            Temos outra turma que está com 36 alunos, a turma correspondente ao 9º ano do ensino fundamental. Esta turma tem uma lista de espera de mais de 70 pessoas para fazer a matrícula. Contratando mais professores, nós poderíamos abrir duas ou três turmas e atender todos os alunos que ainda não tem o diploma escolar.
            Além disso tudo, no primeiro semestre a EJA de nossa escola teve uma turma fechada, a turma de alfabetização, correspondente aos 1º ao 5º anos. Muitos alunos que precisam dessa turma no bairro tiveram que cancelar sua matrícula e ficar desatendidos deste serviço público básico e garantido em lei. Este semestre a turma continua fechada, com uma lista de alunos esperando para finalmente aprender a ler e escrever.
            Fica claro que a prefeitura está desrespeitando uma lei federal, prevista na constituição do país, que garante o direito à educação a qualquer cidadão, independente da idade e do turno de aulas. O artigo 6º da Constituição Federal do Brasil de 1988 garante a educação como um direito social de cada cidadão. A Lei nacional de diretrizes e bases da educação (LDB), de 1996, no artigo 37, diz, sobre a educação de jovens e adultos:

“A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.”

            Percebe-se, assim, o descumprimento desse direito básico para muitos de nossos alunos e moradores de Novo Hamburgo. Enturmação, superlotação das salas, turmas fechadas, fila de espera por vaga na escola já são uma realidade no município. A justificativa do município é que não é possível contratar mais professores para atender a demanda. Com certeza há sim recursos para contratar mais professores, eles apenas estão sendo usados em outros projetos e custeando outras despesas, talvez não tão urgentes quando a formação dos cidadãos hamburguenses.
            Há anos atrás, a educação de Novo Hamburgo estava em primeiro lugar no Brasil. Os professores disputavam vagas acirradas para entrar no município, pois era um dos melhores lugares para trabalhar. Hoje, o primeiro lugar já é um sonho distante e o número de exonerações de professores só aumenta com a troca do plano de carreira. Que todos nós estejamos mais atentos para que essa realidade possa se transformar e a educação volte a estar em primeiro lugar, como antigamente esteve em Novo Hamburgo.


Atualização: a turma de alfabetização reabriu segunda-feira (08/08)

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