"A Carta Roubada" é um dos contos mais
célebres de Edgar Allan Poe. Nele, o escritor norte-americano conta a história
de um ministro que resolve chantagear a rainha roubando a carta que lhe fora
endereçada por um amante.
Desesperada, a rainha encarrega sua polícia
secreta de encontrar a carta, que provavelmente deveria estar na casa do
ministro. Uma astuta análise, com os mais modernos métodos, é feita sem
sucesso. Reconhecendo sua incompetência, o chefe de polícia apela a Auguste
Dupin, um detetive que tem a única ideia sensata do conto: procurar a carta no
lugar mais óbvio possível, a saber, em um porta-cartas em cima da lareira.
A leitura do conto de Edgar Allan Poe deveria ser
obrigatória para os responsáveis pela educação pública. Muitas vezes, eles
parecem se deleitar em procurar as mais finas explicações, contratar os mais
astutos consultores internacionais com seus métodos pretensamente inovadores,
sendo que os problemas a combater são primários e óbvios para qualquer um que
queira, de fato, enxergá-los.
Por exemplo, há semanas descobrimos, graças ao
Censo Escolar de 2011, que 72,5% das escolas públicas brasileiras simplesmente
não têm bibliotecas. Isto equivale a 113.269 escolas. Um descaso que não mudou
com o tempo, já que, das 7.284 escolas construídas a partir de 2008, apenas
19,4% têm algo parecido com uma biblioteca.
Mesmo São Paulo, o Estado mais rico da Federação,
conseguiu ter 85% de suas escolas públicas nessa situação. Ou seja, um número
pior do que a média nacional.
Diante de resultados dessa magnitude, não é
difícil entender a matriz dos graves problemas educacionais que atravessamos.
Difícil é entender por que demoramos tanto para ter uma imagem dessa realidade.
Ninguém precisa de mais um discurso óbvio sobre a
importância da leitura e do contato efetivo com livros para a boa formação
educacional. Ou melhor, ninguém a não ser os administradores da educação
pública, em todas as suas esferas. Pois não faz sentido algum discutir o
fracasso educacional brasileiro se questões elementares são negligenciadas a
tal ponto.
Em política educacional, talvez vamos acabar por
descobrir que "menos é mais". Quanto menos "revoluções na
educação" e quanto mais capacidade de realmente priorizar a resolução de
problemas elementares (bibliotecas, valorização da carreira dos professores
etc.), melhor para todos.
A não ser para os consultores contratados a peso
de ouro para vender o mais novo método educacional portador de grandes
promessas.
VLADIMIR SAFATLE,professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo).
Jornal Folha de São Paulo, 05/02/2013
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