domingo, 2 de outubro de 2011

O DIREITO DE EXISTIR

Por Marino Boeira, de Porto Alegre

Israel e Estados Unidos negam a história e desconhecem o direito palestino de construir seu próprio Estado independente e livre. 

O pedido oficial do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, de que a ONU reconheça seu país como um Estado membro da organização internacional é um novo passo na longa luta dos palestinos pela conquista do direito de viver numa nação independente. A Palestina é governada pela Autoridade Nacional Palestina, reconhecida por centenas de países, inclusive o Brasil, mas que exerce um poder apenas relativo sobre partes da Cisjordânia e Faixa de Gaza. 

As regiões onde vivem os palestinos, desde o acordo de paz de Oslo, de 1993, têm três tipos diferentes de situação. Na chamada área A, a segurança e o controle civil ficam por conta da Autoridade Palestina. Na área B, o controle civil é dos palestinos e o militar de Israel. Na área C, o controle é total dos israelenses. Nessa área ficam os assentamentos de colonos judeus. 

Hoje, os palestinos estão divididos politicamente em dois grupos: um com sede em Ramallah, na Cisjordânia, o moderado El Fatah, de Mahmoud Abbas e outro na Faixa de Gaza, o Hamas. Em 2006, o Hamas ganhou as eleições parlamentares palestinas e com isso ficou com o cargo de primeiro-ministro, permanecendo Abbas como presidente. Em 2007, Abbas rompeu com o Hamas e entregou o cargo de primeiro-ministro para um membro do El Fatah. 

Essa divisão, que até hoje não foi superada, faz com que as duas facções encarem de forma diferente a luta pela independência palestina. Enquanto o El Fatah pretende chegar a ela através do apoio da maioria dos países na ONU, o Hamas diz que os palestinos deveriam libertar sua terra, não implorar pelo reconhecimento na Organização das Nações Unidas. O dirigente do Hamas, Ismail Haniyeh, afirmou: \"Nosso povo palestino não implora por um Estado. Países não são construídos com base nas resoluções da ONU. Estados libertam suas terras e estabelecem suas entidades.” 

Nesse momento, em que a questão palestina é destaque no mundo inteiro, seria interessante fazer uma rápida reconstituição histórica do que aconteceu nessa região. Os judeus, que viviam nessas terras bíblicas, sofreram a primeira diáspora em 586 AC por Nabucodonosor, e foram definitivamente expulsos em 135 DC pelo imperador romano Adriano. Em 1897, na Suíça, Theodore Herzl, no primeiro congresso sionista, iniciou sua campanha pelo retorno dos judeus às suas terras primitivas, ocupadas pelos árabes desde 637 e que viviam então sob o domínio do império otomano turco. 


Foto de Emilio Helguera

Em 1916, durante a primeira guerra mundial, França e Inglaterra assinaram o acordo Sykes-Picot, dividindo entre elas os despojos do império otomano na Jordânia, Síria, Iraque e quase toda a Península Arábica. Um ano depois, Lord Balfour, chanceler inglês, em busca do apoio das comunidades judaicas na Europa, declarou o apoio do seu país ao “estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”. Começou então um longo processo de retorno de colonos judeus para a Palestina, principalmente através do estabelecimento de colônias agrícolas, o kibutz

Depois da Primeira Guerra, a Inglaterra recebeu da Liga das Nações o chamado Mandato sobre a Palestina, passando a governar a região até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o colonialismo britânico e francês na África e na Ásia, começou a ser substituído por outra forma mais moderna de exploração econômica, sob influência dos Estados Unidos. 

Em 1947, fruto da grande comoção causada pelas perseguições nazistas aos judeus na Europa, a ONU decidiu, então, partilhar a Palestina em dois estados, um judeu e outro árabe. A forma da partilha desagradou, porém, aos árabes, que eram maioria na região – 1, 3 milhão de pessoas contra 600 mil judeus – uma vez que o território seria dividido em duas parcelas: as terras mais ricas e férteis ficariam com os judeus e a parcela menor, correspondente a 42,88% do território, onde estavam as terras mais áridas e pobres, com os árabes. Além disso, cerca de 750 mil palestinos deveriam abandonar suas terras, transformadas em propriedades dos judeus. 

A votação na Assembleia Geral da ONU foi de 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções. Os árabes acusaram os Estados Unidos de fazerem forte pressão sobre os países mais fracos e dependentes da ajuda americana, entre os quais o Haiti e a Libéria, para votarem a favor da partilha. 

Um ano depois, poucas horas antes de terminar o mandato britânico, Israel proclamou a sua independência e derrotou militarmente os países árabes da região. Em 1967, uma nova investida militar árabe foi derrotada por Israel na Guerra dos 6 dias, ao final da qual, os judeus ocuparam a Península do Sinai, os colinas de Golan e partes da Cisjordânia. Um ano depois, a resolução 242 da ONU exigiu que Israel devolva as terras ocupadas, mas até hoje isso não aconteceu integralmente. 


A Península do Sinai foi devolvida depois que os egípcios foram derrotados novamente na Guerra do Yon Kippur, em 1973, e Anuar Sadat assinou um tratado de paz com os israelenses. Em 1978 e depois em 1982, Israel invadiu o Líbano.Na segunda vez ocorreramm os massacres de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila. Em 1986 começou a primeira “intifada”, o movimento de resistência dos palestinos contra a ocupação israelense. Em 1993, o acordo de Oslo prometeu negociações de paz entre árabes e judeus com a futura formação do Estado Palestino. As negociações pouco avançaram, e no ano 2000 ocorreu a segunda “intifada”. No mesmo ano, após 22 anos de ocupação, tropas de Israel se retiraram do sul do Líbano. 

Depois disso, além da retirada dos judeus da Faixa de Gaza, pouco se avançou na consolidação da paz na região, o que levou o relator especial da ONU para os Direitos Humanos nos territórios palestinos, Richard Falk, a dizer esta semana que “cerca de 20 anos de negociações diretas deram tempo para que Israel enfraquecesse a solução de dois Estados”. 

Comentando o pedido palestino de reconhecimento pela ONU, disse Falk em seu comunicado: “As próximas discussões sobre a iniciativa da Palestina na ONU oferecem à comunidade internacional uma importante oportunidade para resolver uma profunda injustiça. Durante mais de 44 anos, os palestinos da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza, sofrem com a opressão de Israel. A vontade do povo palestino deve ser respeitada a partir desta semana na ONU, e até que os palestinos desfrutem do direito compartilhado por todos os outros países do mundo, o direito à autodeterminação\". 

24/9/2011 

Fonte: ViaPolítica/O autor Marino Boeira é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É jornalista e publicitário em Porto Alegre, e professor universitário na área de Comunicação Social. Publicou De Quatro (crônicas com outros três autores); Raul: Crime na Madrugada (novela); Tudo que você não deve fazer para ganhar dinheiro na propaganda (novela). Participações em obras coletivas: Nós e a Legalidade; Porto Alegre é assim, Salimen, uma história escrita em cores, e Publicidade e Propaganda - 200 anos de história no BrasilE-mail: marinobo@uol.com.br
Reprodução: http://www.viapolitica.com.br

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