sexta-feira, 19 de julho de 2013

A ocupação e a crise de representatividade- TEXTO CRÍTICO DE JUREMIR MACHADO

De fato, o rei está nu, mas de gravata

Postado por Juremir em 19 de julho de 2013 - Uncategorized

Em 1775, enquanto a massa passava fome, a rainha perdia a cabeça pela primeira vez.
A segunda seria definitiva.
– Se não tem pão, que comam brioches – disse.
O rei, quando a massa se revoltou, perguntava-se:
– Por que estão agindo dessa maneira?
No Rio de Janeiro, a massa foi às ruas urrar contra aumentos nas passagens de ônibus. Pouco depois, a filha do “rei dos ônibus”, deu de barato e casou-se usando um vestido de R$ 3 milhões.
Três dias depois, a turba quebrou o bairro chique do Leblon.
Um observador teria exclamado:
– Por que estão agindo assim? Não vejo nexo nisso tudo.
O Brasil vem gritando há mais de um mês: o rei está nu. Mas nem todos querem ouvir. Nem ver. Há uma diferença entre pornografia e obscenidade. Toda pornografia é obscena. Nem toda obscenidade é pornográfica. A pornografia é a obscenidade gratuita ou com interesse comercial. Pode-se estar nu vestindo terno e gravata. Os deputados federais e senadores estão nus. Renan Calheiros vive pelado e mãos nos bolsos para proteger seus ganhos. Até Joaquim Barbosa, presidente do STF, vem sendo desnudado. O mais incrível é que, quanto mais o Brasil enxerga a pornografia por trás das fatiotas, mais os nossos representantes tentam fingir que não é com eles.
A nudez maior, obscena, mostra tudo da crise de representatividade que abala o país. Os eleitos, embora votados, não conseguem mais representar a população, ou parte dela, que lhes joga na cara o desprezo sentido. A regra do jogo democrático consiste no reconhecimento pelo todo do escolhido pela parte. Quando o todo já não consegue reconhecer a legitimidade do eleito pela parte, o sistema está nu ou apodrecendo. Os seus formalismos não conseguem esconder as imperfeições do conteúdo. Os vereadores de Porto Alegre foram desnudados pelos jovens que se instalaram na Câmara de Porto Alegre. Se não se faz omelete sem quebrar os ovos, não se passa por uma crise de representatividade e de legitimidade sem excessos. Na política, porém, a ordem dos fatores, vale repetir, pode alterar o produto. Os indignados brasileiros estão dizendo faz tempo que não suportam mais os excessos dos eleitos. No extremo, responde-se a excesso com excesso.
Qual o pior excesso? Os mais conservadores perderam o equilíbrio, saudosos dos tempos em que podiam silenciar seus oponentes no grito. Nos tempos atuais o que se exige é transparência: nudez total dos negócios públicos. Os jovens que se manifestam nas ruas querem levantar o véu, tirar a cobertura, revelar, descobrir aquilo que sempre é escondido por razões técnicas, políticas ou simplesmente sem explicação. Toda relação dos entes públicos com empresas privadas deve ser divulgada em todos os seus detalhes. O resto é pornografia. Renan Calheiros na presidência do Senado é um ato pornográfico chocante. Henrique Eduardo Alves na presidência da Câmara de Deputados é pornografia barata. A impossibilidade de se fazer uma reforma política já por consulta popular é indecente e resulta dos bacanais dos nossos representantes, que se misturam em todas as posições.
O rei está nu. O rei é político. Mas não é sem políticos que se resolverá o problema. A solução passa por mostrar todos pelados até que a bandalheira seja compreendida na sua profundidade ou na sua superficialidade escatológica. O discurso moralista quer cobrir as vergonhas políticas com folhas de parreira e reformas superficiais. O Brasil só vai sair da crise de legitimidade e de representatividade quando toda a pornografia política estiver exposta em praça pública, a começar pelas relações incestuosas com empresas de ônibus. O falso moralismo precisa virar moralidade.
A pornografia maior é um vestido de R$ 3 milhões com o dinheiro das passagens de ônibus.
Não tem nexo!

A ocupação e a crise de representatividade

Postado por Juremir em 18 de julho de 2013 - Uncategorized
Em política, a ordem dos fatores pode alterar o produto.
A Câmara de Vereadores de Porto Alegre esteve ocupada durante uma semana por uma única razão: os erros sucessivos da maioria dos edis.
Como andei pelo mundo um bom tempo, passei anos estudando sociologia como doutorando e pós-doutorando na Sorbonne e como ouvinte na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e no Colégio da França. Em Paris, tive alguns mestres fantásticos. Aprendi com Edgar Morin, Jean Baudrillard, Michel Maffesoli, Pierre Bourdieu, André Akoun, Alain Touraine e mais uma penca de feras, entre os quais filósofos políticos como Jacques Derrida e Cornelius Castoriadis.
Jean Baudrillard, que não lecionava mais em lugar algum, ensinou-me muitas coisas em bares de Montparnasse, onde ele bebia vinho e eu, abstêmio na época, enchia a cara de Perrier.
Um dia, Baudrillard me disse: o fim do social institucionalizado começa quando os representantes, embora eleitos, não convencem mais a maioria de que a sua representatividade é legítima.
Um representante é eleito por uma parte da sociedade. A democracia consiste em o restante, que não votou nesse representante, reconhecê-lo como tal e legitimá-lo na sua função. Quando os representantes não conseguem mais convencer a maioria de que agem pelo interesse de todos, embora sejam integrantes de partes, os partidos, abrem o flanco para a contestação de fato.
Baudrillard, que era um mestre da ironia e dos paradoxos, ensinou-me outra coisa: quando a indecência política é grande demais, pornográfica, a nudez do eleitor não é obscena, mas reveladora.
O rei está nu. Os vereadores estão nus. Os verdadeiros pelados da ocupação da Câmara de Vereadores foram os que não tiraram a roupa, mas se desnudaram na defesa dos interesses das empresas de ônibus e na incapacidade de ouvir e de entender o que a população está pedindo.
Alguns vereadores esganiçaram-se pedindo respeito aos formalismos. Mais uma vez, ficaram nus. Não entenderam que, quando há crise de representatividade e de legitimidade, a forma se esgota.
A crise é de conteúdo.
Na Câmara de Deputados, o mesmo poderá vir a acontecer.
Depois de uma ameaça de reforma política, tudo começa a estagnar.
Quem se sente realmente representado pelos deputados que fingem ouvir as ruas, anunciam medidas e, em seguida, começam a recuar fazendo a velha política nacional do caranguejo?
Os ocupantes da Câmara de Vereadores de Porto Alegre ganharam de goleada dos eleitos.
Foram, antes de tudo, mais equilibrados do que eles.
Como estamos numa democracia, a dissonância é legítima.
A direita estava acostumada a ganhar no grito e a ocupar todo o espaço da mídia amiga.
As redes sociais e os novos tempos acabaram com esses privilégios.
Os ocupantes agora também têm direito a falar.
Que belos tempos!

http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?m=201307

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