terça-feira, 4 de maio de 2021

Sobre o retorno presencial de professores e estudantes às escolas. Por que ser contrária a essa decisão?

 Texto de Daniela Vieira Costa Menezes para reflexão da contemporaneidade vivida:


Sobre o retorno presencial de professores e estudantes às escolas. Por que ser contrária a essa decisão?

Sou professora de anos iniciais na Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo/RS. Além disso, tenho um filho no 9º ano, matriculado na Rede Municipal de Ensino de Ivoti/RS. Para me posicionar diante do anúncio do retorno presencial das duas Redes de ensino, parto dos lugares que ocupo. Significa dizer que vivo entre as dores de ser mãe e ser professora, o que não faz com que minha posição seja a verdade, mas que me dá uma perspectiva sobre a questão, que deve seguir sendo debatida por toda a sociedade.
Em primeiro lugar é importante colocar que percebo uma discussão restrita à polarização de se voltar ou não, além de identificar um movimento político superficial que envolve jogar professores contra pais, por um lado, e condicionar um retorno à vacinação dos professores, por outro lado. Penso que a discussão é muito mais complexa e exige debates atentos e livres de pré-concepções.
Um elemento, no subterrâneo político da questão, está na legalidade da abertura das escolas, como espaços essenciais. Há um Projeto de Lei (5559/20) tramitando, que inclui a escola como serviço essencial, dessa forma as escolas deverão estar abertas diante de qualquer situação de calamidade pública, independente das condições sanitárias. É um risco ser contra uma proposta que afirma a essencialidade da escola, porém o projeto em questão me parece uma manobra política que ressalta o caráter do cuidado e não do formativo, assim como a ação do Governo do Rio Grande do Sul, em propor o atendimento presencial para educação infantil e alfabetização (até 2º ano do EF), mesmo com a bandeira preta (que representa o maior risco de contaminação pelo vírus Sars-Cov-2). Toda a legislação educacional aponta que a escola “não é um depósito de crianças”, mas se o caráter de cuidado (onde as crianças devem ficar se os pais precisam trabalhar?) se sobrepõe ao formativo (como as crianças podem aprender afastadas do convívio escolar?), a profissionalidade do professor, ainda tão frágil, se desmonta um pouco mais. Aos pais cabe o questionamento: querem professores qualificados para a promoção da aprendizagem de seus filhos ou professores que criem espaços seguros para o convívio das crianças e jovens? Como mãe, quero os dois, mas não vejo esse PL como caminho de garantia do direito à educação, ao contrário. Então meu primeiro argumento para ser contrária à volta presencial em um período de alta de contaminações e mortes por Covid-19 é que a essencialidade da escola deve ser discutida em seu caráter filosófico e pedagógico, não em um caráter legal.
Outro elemento está nos protocolos sanitários. O estado do RS trabalha com Centros de Operações de Emergência da Saúde – o COE. Cada município tem o seu e cada escola também tem o seu. Em cada nível se estipulam os protocolos sanitários que acompanhariam a evolução da pandemia nos diferentes níveis. No município em que trabalho, cada escola elaborou seu Plano de Contingência no 2º semestre de 2020, com as informações disponíveis até então. Mesmo que a proposta também esteja presente no município onde moro, não tive acesso ao Plano da escola do meu filho em sua íntegra. O fato é que de lá pra cá (mais de 1 semestre se passou), as descobertas científicas sobre o comportamento do vírus em relação aos movimentos de contaminação, se modificaram e os protocolos tiveram poucos ajustes. Além disso, os equipamentos de segurança, adquiridos no momento da construção dos Planos de Contingência, também estão defasados. Um exemplo está nas máscaras que a rede na qual trabalho vai disponibilizar para professores e crianças. Atualmente, os especialistas apontam a importância do material da máscara e de seu adequado uso, para que as mesmas se configurem como uma real proteção. Desde o início, as máscaras N95 estavam como as melhores opções de proteção. Atualmente, popularizaram-se as PFF (Proteção Facial Filtrante), termo nacional para as conhecidas N95 (como essas máscaras são conhecidas nos EUA). Foram as pesquisas que potencializaram a produção e defesa das PFF, em detrimento das máscaras cirúrgicas ou de pano, que não serão as amplamente utilizadas nas escolas. Finalizando o tópico dos protocolos sanitários, entro na questão da higienização dos espaços e materiais das escolas. Nos últimos anos o número de profissionais de limpeza segue em declínio, nos ajustes fiscais e políticos das redes de ensino. Na rede em que trabalho, trata-se de um serviço tercerizado, com profissionais com menos direitos. O fluxo de adoecimento de profissionais da limpeza é alto em todas as áreas, pois trata-se de um trabalho com alto risco de contaminação, mas o fluxo de reposição destes profissionais não segue adequadamente. Não tenho nenhum conhecimento da relação entre profissionais e espaços/materiais da escola do meu filho, mas sei que na rede onde trabalho há uma relação de 3 ou 4 salas de aula, para limpeza e higienização, por profissional (muito por baixo, pois são quase 90 escolas com realidade muito diferentes). Os protocolos sanitários envolvem o uso de álcool a 70% em corrimões, maçanetas, mesas e cadeiras, além de higienização periódica de brinquedos móveis e fixos a cada uso. É viável que os protocolos previstos nos Planos de Contingência sejam executados em sua íntegra, sem a mudança no número de profissionais de limpeza das escolas? Cabe aos professores e crianças, tal higienização no cotidiano escolar? E quando um profissional adoecer, será reposto em quanto tempo? Nesse sentido, construo o argumento de que os protocolos sanitários e equipamentos dos Planos de Contingência das escolas não se configuram como uma preparação atualizada para um retorno presencial neste momento, com as atuais políticas e aquisições de materiais dos governos.
O último ponto que abordo nesta análise é o da prevenção. Inicialmente, uma forma de prevenção estava na testagem das pessoas e isolamento pontual dos contaminados e suas famílias. Muitos países controlaram a disseminação do vírus com políticas de testagem constante e consequente isolamento pontual. Não foi o caso do Brasil, a nível nacional, regional ou local. Me foi oferecida uma testagem, enquanto professora, pelo instituto de assistência ao qual tenho acesso, mas por um custo. Como não tive sintomas significativos, não busquei tal testagem e sigo sem saber se tive o vírus em meu organismo. Atualmente, há um processo que envolve a oferta de testagem pública para os professores, mas ainda não entendi em qual periodicidade. A nível individual e familiar, a testagem serve para auxiliar na tomada de decisão e cuidados domésticos. Mas, para a abertura de escolas, a testagem ganha um nível público e, por isso, coletivo. Um professor deveria ser testado sempre, considerando que há um tempo para o resultado e que há testes que geram um falso-positivo. Mas as crianças que frequentarão as escolas também deveriam ser testadas, com extensão para suas famílias, afinal, a escola é um espaço de convívio e aglomeração por excelência. Nesse sentido, testar somente quem tem sintomas (que é a política empregada no Brasil) mostra-se ineficiente para um adequado isolamento dos contaminados. Mais atualmente, temos na vacina outra importante forma de prevenção. Mesmo que a maioria dos presentes no espaço escola estivessem vacinados, dentro do tempo de eficácia das doses, ainda haveria o risco dessas pessoas (professores e estudantes) atuarem como vetores do vírus para suas famílias. No meu entendimento, estar vacinada enquanto professora não é pra uma solução a médio prazo, considerando que minha família estará em risco e que meus estudantes e suas famílias também estarão em risco. Uma prevenção real passaria necessariamente pela disponibilização de testagem com uma periodicidade específica (semanal, talvez) associada à vacinação de todos os envolvidos com o ambiente escolar: funcionários da limpeza, professores, estudantes e pais. Atualmente, a vacinação no Brasil está a passos muito mais lentos do que os tardiamente anunciados, além de continuar a política de testagem vinculada ao surgimento dos sintomas. Considerando que há a especificidade de isolamento local de quem apresentar sintomas nas escolas, a falta de clareza sobre quais são os sintomas que devem ser observados e considerados também me preocupa. Professores e estudantes devem sais das salas de aula por quantos espirros? Tem que ter febre? Nariz escorrendo, tosse, cansaço… qual é o parâmetro dos tais “sintomas gripais” para o isolamento temporário? Portanto, mais um argumento que me mostra que não é o momento de retornar às escolas: Não temos um plano de vacinação e testagens adequado ao volume de pessoas que circularão nas escolas, mesmo com as restrições previstas.
Como cidadã, como mãe e como professora, achei importante reunir meus argumentos e reflexões, oferecendo-os ao importante debate sobre a urgência do retorno às escolas, por parte de professores e estudantes. Finalizo com a clareza de que o afastamento da escola – e sua manutenção – configura-se como mais uma grande tragédia para a educação brasileira. Porém, no meu entendimento, a vida vem antes da aprendizagem. Se um motorista dirige alcoolizado, a legislação entende que ele assumiu o risco de matar. E se uma mantenedora exige o retorno às escolas, sem condições materiais e de recursos humanos para execução dos Planos de Contingência na íntegra e sem um plano de vacinação e testagens para conter a disseminação do vírus, penso que está assumindo o risco de mais contaminados e mais mortes, a partir das comunidades escolares.
Fico à disposição diante contra-argumentos ou argumentos complementares aos meus, mantendo o debate permanente. No momento atual, diante do que exponho, sou contrária a abertura das escolas para professores e estudantes.

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