Valorizemos
o professor da educação infantil
Jornal do BrasilPatrícia
Lacerda*
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Desde novembro de 2009, a Emenda
Constitucional nº 59 assegura a obrigatoriedade do acesso ao ensino a todas as
crianças partir dos 4 anos de idade. Paralelamente a isso, o Plano Nacional da
Educação (PNE) tem como meta ampliar, até 2020, a oferta de educação
infantil de forma a atender 50% da população de até três anos – em 2009, essa
população era de mais de 10,5 milhões de crianças, mas apenas 18% delas eram
atendidas. Mas como fazer isso sem incorrer no mesmo erro da expansão do ensino
fundamental: cuidar primeiro do acesso para depois cuidar da qualidade?
Um dos caminhos é pensar no conjunto de fatores que
interferem na qualidade da educação, com especial atenção à figura-chave da
qualidade do atendimento: o professor de educação infantil. Isso significa, nos
termos dos objetivos do novo PNE, fomentar a formação inicial e continuada de
profissionais do magistério para a educação infantil e assegurar a existência
de planos de carreira para os profissionais do magistério até 2013.
Até hoje prevalece, para uma grande parcela da sociedade, a percepção de que, para trabalhar
com crianças pequenas, basta cuidar para que elas comam, durmam e estejam
limpas. Prova disso são as constatações de uma pesquisa realizada recentemente
pelo Ibope, a pedido da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que revelou:
apenas 19% dos pais entrevistados acreditam que conversar com
a criança é importante para o desenvolvimento dela. E só 11% pensam que
proporcionar estímulos auditivos, visuais e táteis, como sons, música, bichos e
histórias, também influencia positivamente o desenvolvimento da criança.
Essa ideia do senso comum tem raízes históricas e
ignora os saberes científicos sobre a importância fundamental que os primeiros
anos de vida têm para a formação de cada um de nós e para a sociedade como um
todo. Cuidar da educação de crianças em creches e pré-escolas pressupõe
conhecer os processos de desenvolvimento infantil, as linguagens que estimulam
esse desenvolvimento e a organização de espaços e atividades, além do desafio
de dar atenção tanto a cada uma quanto ao conjunto das crianças. Trocando em
miúdos, para ser professor na educação infantil, como nos demais níveis e
modalidades de ensino, é preciso estudar muito, pois a tarefa é complexa e de
muita responsabilidade.
Acontece que ainda temos muito a fazer pela
qualificação da formação desses profissionais. Segundo o Censo Escolar de 2011,
61% dos professores de educação infantil têm ensino superior completo. Outros
29% fizeram o curso de magistério, e 8% possuem apenas o ensino médio regular.
E ainda existem 0,35% e 0,74% que possuem apenas o ensino fundamental
incompleto e o fundamental completo, respectivamente.
Incentivar os quase 40% sem curso superior a entrar
em uma faculdade é garantir que creches e pré-escolas tenham pessoas com a
qualificação mínima almejada para a educação pública, de forma que o professor
esteja preparado para lidar com as diferenças e dificuldades típicas da
primeira infância. No entanto, para começar a mudar o cenário de forma
mais profunda, é preciso dar apoio e estabilidade ao professor. A presença de
coordenadores pedagógicos, responsáveis pelo acompanhamento e suporte aos
professores em serviço, nem sempre está assegurada nas redes municipais de
ensino. Outro ponto crucial é a estabilidade funcional. Sem ela, vive-se um
eterno recomeço no trabalho de formação. Esse problema é sentido em um dos
projetos desenvolvidos pelo Instituto C&A, o Paralapracá, que apoia a
formação de professores de educação infantil em cidades da Região Nordeste.
Muitos dos professores que começam a formação estão
vinculados às redes por contratos temporários ou são estagiários, nem sempre
permanecem na função e, consequentemente, não completam a formação. Se não
houver concursos bem estruturados e um plano de carreira que incentive a
permanência dos professores na rede e na escola em que lecionam, continuaremos
a carregar água na peneira, investindo na formação de quadros que mudam
com muita frequência, o que impossibilita um trabalho continuado e coletivo,
como requer a docência.
A estabilidade pressupõe outras
questões envolvidas na valorização profissional, como remuneração adequada à
função exercida. Hoje, um profissional com curso de magistério tem piso
salarial de R$ 1.451,00 para trabalhar 40 horas semanais. O valor é bem abaixo
da média recebida pelos profissionais de nível técnico no Brasil, que é de R$
2.085,47. É urgente dignificar
o salário do professor de educação infantil, pois ele é o primeiro contato da
criança pequena com a educação formal. É ele quem apresenta o universo escolar
para os alunos. Ele é o responsável pela socialização dessa faixa etária. É ele
que será a referência para as famílias, e sua atuação repercutirá nos processos
de aprendizagem das crianças por muito tempo.
Garantir atendimento de qualidade na primeira
infância é a efetivação de um direito social básico previsto na Constituição
federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Mas como garantir esse direito e cumprir as metas de
educação infantil citadas no PNE? Para isso, é preciso que a sociedade
brasileira reconheça a importância da educação para as crianças pequenas e
apoie a luta pela valorização dos profissionais encarregados dessa educação.
* Patrícia Lacerda, doutora em educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é gerente de Educação,
Arte e Cultura do Instituto C&A.
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/17/10/2012
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