terça-feira, 24 de maio de 2011

A BUSCA POR CULPADOS DENTRO DAS ESCOLAS

Camila de Souza

É no mínimo preocupante assistir ao Jornal Nacional autorizando-se a falar sobre a educação através do ‘especialista’ Gustavo Ioschpe como se fossem juízes, sem nem ao menos analisar as inúmeras relações engendradas neste âmbito. Algumas problematizações devem ser feitas sobre as ‘verdades’ enunciadas em rede nacional.

O Parecer do CNE/CEB n⁰ 20/2009 revisa as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, mas, no meu ponto de vista, seu texto aplica-se a todas as modalidades de ensino. O documento afirma que a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos (art. 3º, incisos II e IV da Constituição Federal) são compromissos a serem perseguidos pelos sistemas de ensino. É bastante conhecida no país a desigualdade de acesso à escola entre as crianças brancas e negras, moradoras do meio urbano e rural, das regiões sul/sudeste e norte/nordeste e, principalmente, ricas e pobres, situação constatada através da Blitz na Educação. Além das desigualdades de acesso, também as condições desiguais da qualidade da educação oferecida às crianças configuram-se em violações de direitos constitucionais das mesmas e caracterizam esses espaços como instrumentos que, ao invés de promover a equidade, alimentam e reforçam as desigualdades socioeconômicas, étnico-raciais e regionais, mesmo dentro de um mesmo município. Em decorrência disso, os objetivos fundamentais da República deveriam ser efetivados no âmbito da Educação se as escolas cumprirem plenamente sua função sociopolítica e pedagógica. Cumprir tal função significa, de acordo com o documento mencionado, em primeiro lugar, que o Estado necessita assumir sua responsabilidade na educação coletiva das crianças, complementando a ação das famílias, o que é claro que não está acontecendo. Em segundo lugar, as escolas constituem-se em estratégia de promoção de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, ou deveriam assim ser para oferecer condições às meninas terem outras oportunidades além do serviço doméstico. Em terceiro lugar, cumprir função sociopolítica e pedagógica das escolas implica assumir a responsabilidade de torná-las espaços privilegiados de convivência, de construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas, por meio de práticas que atuam como recursos de promoção da equidade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância, se muitos meninos e meninas não precisassem dar prioridade ao trabalho para ajudar a aumentar a renda familiar. Em quarto lugar, cumprir função sociopolítica e pedagógica requer oferecer as melhores condições e recursos construídos histórica e culturalmente para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais e possam se manifestar e ver essas manifestações acolhidas, na condição de sujeito de direitos e de desejos. Significa, finalmente, considerar as escolas na produção de novas formas de sociabilidade e de subjetividades comprometidas com a democracia e a cidadania, com a dignidade da pessoa humana, com o reconhecimento da necessidade de defesa do meio ambiente e com o rompimento de relações de dominação socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa que ainda marcam profundamente o Brasil.

O que mais me indigna é que as reportagens foram tendenciosas, apontando os professores como culpados, sem nem mencionar as obrigações não cumpridas pela República. Fátima Bernardes, Willian Bonner, o ‘especialista em educação’ Gustavo Ioschpe e sua equipe não levaram em consideração a escassez de recursos nas verbas minguadas do governo. O que podemos verificar foi que as escolas que contam com a contribuição espontânea das famílias, espontânea mas bem-vinda quando acontecem, possuem melhores estruturas. Em uma rápida visita, classificaram escolas como ruins, professores como desleixados. Deram um fardo muito pesado, salvar o país, a uma classe pauperizada. Esqueceram que professor não é mágico, não consegue multiplicar seus recursos como o Palloci, feliz, ou infelizmente, nós perdemos esta aula. Professor não é missionário, quer dizer, fez voto de pobreza ao aceitar trabalhar muito recebendo tão, mas tão pouco. Professor não é super-herói para conseguir estar em dois lugares ao mesmo tempo, uma vez que ele precisa realizar mais jornadas de trabalho para espichar o seu salário. Como conseguiria estar simultaneamente dentro da sala dando aula e dentro de uma sala tendo aulas para se atualizar num processo de formação continuada. Sim, professores, precisamos urgentemente de qualidade, de qualidade de educação, de qualidade de condições de trabalho, de qualidade de vida.

Um aspecto positivo apontado nas reportagens foi a necessidade de apoio da família para o sucesso escolar. Isso não há dúvida. Contudo os papéis devem ser reforçados. Se cada um cumprisse a sua função: família educasse e acompanhasse a vida escolar de seus filhos, escola trabalhasse as capacidades para o pleno desenvolvimento dos alunos, governo desse o suporte para que a aprendizagem acontecesse, certamente não teríamos a situação atual.

Deixo alguns questionamentos para que possamos continuar refletindo e não sejamos conduzidos pela mídia. Será que vão nos pedir para investir nossos honorários para oferecer as melhores condições para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais? Os direitos constitucionais das crianças estão sendo violados pela República e quem está sendo crucificado?

Professora da rede municipal e particular de Novo Hamburgo, RS

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