terça-feira, 18 de junho de 2019

AULA PÚBLICA SOBRE O IMPACTO DOS CORTES NA EDUCAÇÃO REALIZADA NA TARDE DA GREVE GERAL:

AULA PÚBLICA SOBRE O IMPACTO DOS CORTES NO ORÇAMENTO DA EDUCAÇÃO: BRASIL, 2019! 
Marcus Eduardo Maciel Ribeiro1 

     Inicio comunicando que, para compor as afirmações que farei aqui, usei apenas informações oficiais obtidas no sítio do Ministério da Educação, no sítio do Instituto Federal Sulrio-grandense (IFSul), no Portal da Transparência, na Plataforma Nilo Peçanha, no Relatório de Gestão 2013-2017 do IFSul, no Relatório de Gestão 2018 do IFSul e em comunicações do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF), além de, pontualmente, artigos da mídia. 

     Faço, inicialmente, um recorte da história e do presente dos Institutos Federais para, após, abordar as questões referentes aos cortes no orçamento da educação no Brasil em 2019. 

    Os Institutos Federais são a mais fantástica proposta em educação jamais acontecida no Brasil. Trouxeram a possibilidade da população de localidades distantes de grandes centros metropolitanos terem acesso a educação pública, gratuita, laica e de qualidade. Promoveram a possibilidade de verticalização do ensino. Um estudante pode entrar no Ensino Médio Integrado ou no Proeja ou no ensino Subsequente, continuar seus estudos na graduação e na pós-graduação sem mudar de instituição ou, mesmo, de cidade. Com destaque ao Proeja, forma de inclusão escolar de estudantes que, em alguns casos, estavam afastados da escola há uma ou mais décadas. 

    A rede federal completa 110 anos em 2019, mas foi no governo do Presidente Lula que se estabeleceram os Institutos Federais a partir de instituições que já existiam e de outras que foram criadas, incluindo as escolas técnicas das Universidades Federais, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) e o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. A lei de criação dos Institutos Federais foi promulgada em 29 de dezembro de 2008. Hoje, somos 38 instituições espalhadas em 647 câmpus pelo Brasil. Em 2018, éramos 45.486 docentes (sendo 80% destes com nível de mestre ou doutor), 35.273 Técnicos Administrativos (TAE) e, em especial, 964.593 estudantes em todos os níveis de escolaridade, desde o Ensino Médio Integrado até a pósgraduação, o que resulta em aproximadamente 1,1 milhão de pessoas envolvidas diariamente com as questões da Educação no Brasil, sem incluir aqui os milhares de funcionários terceirizados que dão suporte ao funcionamento dos campus e das reitorias. O Plano Nacional de Educação (PNE) define em 20,0 a Relação Aluno-equivalente/Professor, ao que se denomina RAP. Em 2018 a RAP da rede federal foi 23,7, valor bem acima do mínimo exigido pela lei que estabeleceu o PNE. Neste contexto, o gasto médio mensal por cada estudante não ultrapassa o valor de R$ 1.300,00, o que significa em um forte investimento da União e dos brasileiros em educação de qualidade. Esse valor representa menos de 42% do valor investido por estudante nos países desenvolvidos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

    Todo esse investimento encontra resultados ao longo do ano. No IFSul, por exemplo, a taxa de evasão escolar em 2018 foi de 12,6%, menor que a média nacional que ultrapassa 15%. A retenção em nosso instituto chega a apenas 5,3%. Tanto retenção quanto evasão são temas de discussões internas na instituição. Nacionalmente, os estudantes da rede federal obtêm resultados acadêmicos superiores aos estudantes de outras redes de ensino, incluindo a rede privada, o que aproxima os resultados da rede federal com estudantes de países desenvolvidos. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2016, promovido e divulgado pela OCDE, os estudantes da rede federal obtiveram em Ciências nota 517 que, em comparação com a média de países da OCDE (493), com a média do Brasil (401) e com a média da rede privada no Brasil (487), mostra a qualidade do trabalho realizado nesta rede. Isso demonstra que o investimento feito nos Institutos e em seus estudantes, embora menor do que se pensa ser necessário, é definidor na promoção de educação de qualidade e de bons resultados. 

    Mas apenas o investimento em corpo docente e técnicos qualificados e a compra de equipamentos garantem esses bons resultados acadêmicos? Garantem as baixas evasão e retenção? Penso que não. Uma ação que é bastante importante é a política de Assistência Estudantil. Por essa política, os estudantes com vulnerabilidade social têm essa condição acompanhada por Assistentes Sociais da instituição e podem receber benefícios divididos em: auxílio alimentação, auxílio moradia, auxílio transporte, auxílio material escolar, auxílio para emergências e auxílio para participação em eventos. Esses auxílios são fundamentais para a manutenção de estudantes carentes nas instituições. São esses benefícios que permitem que possam sair de sua localidade e de situações inadequadas de trabalho para continuarem seus estudos e concluírem o curso técnico de sua escolha. No ano de 2016 a Assistência Estudantil chegou a 4.232 estudantes e em 2018 a 4.316 estudantes, equivalente a 1,6 % dos estudantes do Ensino Médio Integrado. Entretanto, a partir de 2016 percebeu-se uma diminuição no investimento feito pelo Governo Federal. Em 2018 o valor investido no IFSul foi de R$10,6 milhões, sendo que o valor repassado pelo Governo Federal foi insuficiente para alcançar esse valor, o que exigiu uma complementação por parte dos recursos do próprio IFSul. Para 2019 os valores são ainda menores. 

     Este é o IFSul e esta é a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. E isso é o que fazemos. Não podemos investir em marketing, nem há dinheiro para isso, e dependemos do bom trabalho feito para que sejamos conhecidos e reconhecidos dentro de nossa própria comunidade. No nosso caso, Campus Novo Hamburgo, mesmo professores de escolas das redes estadual e municipal na cidade desconhecem nossa existência e se surpreendem quando descobrem que em sua cidade há um campus de um Instituto Federal. 

    Passo, agora, a um segundo momento nesta fala. Vou começar a tratar dos cortes no orçamento da rede federal e na educação em geral. Repito a informação com a qual abri esta aula, dizendo que trabalho aqui apenas com dados oficiais e que estão disponíveis na internet. 

    Começo com uma discussão sobre o jogo de palavras que estamos acompanhando na mídia: é corte, é bloqueio ou é contingenciamento? Contingenciamento houve nos governos Dilma e Temer. Os valores dos orçamentos foram retidos e liberados apenas ao final dos anos, após movimentação política e manifestações da comunidade da educação no país. Em 2019, porém, o Ministro da Educação vincula a liberação da verba a um resultado de aprovação da reforma da Previdência. Isto significa que o dinheiro existe e está disponível. Logo, não é contingenciamento. É corte e é assim que vou tratar daqui por diante nesta aula. 

   Porém, independente do corte ao orçamento 2019, os valores repassados aos Institutos Federais já estão em processo de diminuição no que tange as verbas de custeio e investimento. Em uma rápida comparação entre os orçamentos de 2016 e 2019 isso já pode ser observado. O orçamento para investimento em 2016 previa R$ 8 milhões e para 2019 R$ 6 milhões. Para custeio a diminuição no orçamento foi ainda maior, ainda sem considerar o corte agora em desenvolvimento. Caiu de R$ 73 milhões em 2016 para R$ 43 milhões em 2019. Uma consequência clara para essa diminuição é a depreciação dos bens, instalações, equipamentos e demais recursos dentro do Instituto. 

     É importante que se mantenha uma observação próxima às afirmações do Ministério da Educação em relação a esses cortes. A informação de que atingem a 3,5% do orçamento total do Ministério é uma abordagem diversionista, já que há boa parte do orçamento que não pode ser alcançado pela vontade de pagar-se ou não, segundo a Constituição Federal. O alcance da vontade de cortar o orçamento se restringe às verbas de custeio e investimento. Para a rede federal esse corte foi de 30 %, aproximadamente R$ 900 milhões. Especificamente no IFSul os cortes foram de 37,1% nas verbas de custeio e inacreditáveis 62,4% na verba de investimento. Até o momento os salários dos servidores ainda não foram atingidos, bem como a Assistência Estudantil, prioridade no IFSul. 

   Outra consequência desses cortes foi a diminuição de bolsas para pesquisa, em especial nos programas de Mestrado e Doutorado espalhados pelo país, em especial as fomentadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Após o anúncio do corte e movimentação da comunidade científica, inclusive com fortes críticas vindas de importantes universidades de outros países, uma parte dessas bolsas foi reativada. 

    Porém, não é somente na rede federal que se percebe o corte no orçamento da educação no Brasil. Talvez a mais grave consequência sejam os cortes que atingiram os municípios, com destaque ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esse fundo tem duração prevista até 2020 e, atualmente, há propostas de torná-lo permanente. É o principal canal de financiamento para a educação na maioria dos municípios brasileiros, sendo responsável por 63% dos recursos da educação básica. Só no município de Novo Hamburgo esse valor ultrapassou os R$ 115 milhões no ano de 2018. O corte providenciado pelo Ministério da Educação no orçamento de 2019 fez com que 47% da verba para o Fundeb fosse bloqueada. Isso provocará um impacto brutal nos municípios permitindo, inclusive, a suspensão do pagamento a professores, já que alguns municípios pagam a seus professores exclusivamente com a verba proveniente do Fundeb. 

    Outros programas que atingem os municípios, como o Caminhos da Escola e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) também foram atingidos. O transporte escolar, por meio do Programa Caminhos da Escola, teve 82% de sua verba cortada pelo Ministério da Educação, enquanto que o PNLD foi afetado em 8%, o que fez com que a reposição anual dos livros didáticos fosse afetada. O apoio ao funcionamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) teve sua verba cortada em 40%, o que desmente a afirmação inicial do Ministério da Educação de que a educação básica não seria afetada, mas apenas verbas de investimento. A compreensão que fica dessas ações do Ministério da Educação é a de que se deseja dificultar o acesso dos jovens à educação pública, beneficiando a educação privada e ensino domiciliar. 

   Assim, penso que esse movimento de Greve feito pelas categorias hoje, 14 de junho de 2019, especialmente pela categoria dos professores das redes municipal, estadual e federal, será um importante instrumento de convencimento à sociedade da importância de investimento na educação como forma de melhoria da qualidade futura de vida de nossos jovens e adultos. 

    Agradeço a todos pela presença, agradeço ao convite feito pelo Sindicato dos Professores Municipais de Novo Hamburgo e peço que fiquemos vigilantes às questões que afrontam a educação no país e, de resto, a todas as questões que dizem respeito à nossa sobrevivência. 

1 Professor do Campus Avançado Novo Hamburgo do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), Doutor em Educação, coordenador do curso de Especialização em Educação pela Pesquisa.


REFERÊNCIAS

https://exame.abril.com.br/brasil/choque-na-educacao-os-pesquisadores-que-perderam-as-bolsas-da-capes/
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/05/07/ministro-diz-que-pode-desbloquear-verba-das-federais-sereforma-da-previdencia-for-aprovada.ghtml
https://horadopovo.org.br/bolsas-de-pesquisadores-ficam-em-risco-apos-corte-no-orcamento-diz-cnpq/
https://www.fnde.gov.br/index.php/financiamento/fundeb/area-para-gestores/dados-estatisticos/item/12385-2019- com-base-na-portaria-interministerial-n-07-de-28122018
http://www.ifsul.edu.br/ http://www.ifsul.edu.br/component/k2/item/535-gestao-2013-2017-destaques
http://www.ifsul.edu.br/component/k2/item/1065-relatorio-de-gestao-2018
https://www.mec.gov.br/
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2019/05/20/transporte-escolar-livros-didaticos-e-outrosprogramas-o-impacto-do-corte-de-gastos-na-educacao-basica.htm
http://plataformanilopecanha.mec.gov.br/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
http://portal.conif.org.br/br/
http://portaltransparencia.gov.br/
http://www.oecd.org/pisa/

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