quinta-feira, 21 de julho de 2011

QUEM REALMENTE NÃO PERCEBE A TOTALIDADE?


CARLOS SCHMIDT

Não sei se o governador Tarso Genro manipula o conceito de totalidade ou o desconhece. O certo é que acusou lideranças do funcionalismo estadual de ter uma perspectiva coorporativa, ao não aceitar seus projetos de lei.
O que é privilégio, uma categoria profissional não querer recuar nos seus direitos,uma vez que os recursos públicos a ela destinados diminuíram, ou a montanha de rendimentos que o Estado brasileiro paga aos especuladores, com a colaboração do serviço da dívida paga pelo RS, sem o protesto do governador (no presente, pois no passado gritava contra este abuso)?

Efetivamente, em 2002 no  saudoso governo de Olívio Dutra, as despesas com pessoal representavam 69,9% da receita líquida, enquanto que em 2009 este percentual baixa para 64,4%.Usando um indicador mais totalizante, senhor governador, esta despesa representou 6,3% do PIB em 2002 e 5,9% em 2009.
É curioso que o governador comete o mesmo reducionismo da ditadura militar  em relação aos metalúrgicos do ABC, ao acusá-los de lutar por privilégios. A resposta de seu líder, Lula da Silva, é que os privilegiados eram as multinacionais e não os metalúrgicos.
É ainda curioso que o governador, do alto da sua erudição, não perceba que privilégio é não regulamentar o imposto sobre as grandes fortunas, sendo que pesquisa feita pelo professor Márcio Pochmann, revela que apenas 5.000 famílias detêm um patrimônio equivalente a 40% do PIB, ou seja, algo como um trilhão e meio de reais .Ou que as aplicações na bolsa de estrangeiros até a pouco eram isentas de imposto sobre a renda e hoje pagam IOF de 2%, o que não desencoraja as enxurradas de dólares que vem aqui para o Brasil especular, graças às taxas de juros estratosféricas promovidas pelo Banco Central. Lembremos que estes dólares provocam a valorização do real, e portanto a perda de competitividade da nossa indústria, e na sequência o desemprego, em particular, conterrâneos do governador do vale dos sinos .
No parágrafo anterior, fizemos um exercício lógico, no sentido da totalidade, que de resto é muito mais complexa  para se restringir neste pequeno artigo. Aliás, lhe recomendo, governador, ler ou reler o livro III do Capital, sobre o tema da distribuição, que o senhor, com sua capacidade intelectual, fará as devidas atualizações para compreender o tema que lhe ocupa nos seus recentes artigos.
Mas se o senhor quiser abandonar as tertúlias intelectuais e ideológicas e partir para o pragmatismo rasteiro, guardando um mínimo de coerência e não ficar à moda da Margareth Tatcher, repetindo que não há alternativa, pode olhar para o passado para resolver os problemas mais imediatos de recursos, ou seja, conseguir os R$ 200 milhões (menos de 1% da arrecadação projetada para 2011) que serão extorquidos do funcionalismo com o atual projeto de aumento de contribuição previdenciária.

Que tal revitalizar o projeto da matriz tributária daquele governo do PT que foi republicano?
Qual o problema de aumentar o imposto sobre o cigarro, que causa dano à saúde?
Qual o problema de aumentar o imposto sobre a energia elétrica a partir de um certo patamar de consumo? Não existe uma correlação entre renda e consumo? Não economizaria energia?
O mesmo raciocínio para o aumento do tributo para a telefonia.
Estas e muitas outras alternativas poderiam ser implementadas na área da recuperação de dívidas, isenções, fiscalização, etc, que poderiam não só render os imprescindíveis R$ 200 milhões, como também permitiriam qualificar os serviços públicos.
Por outro lado, o mais grave de tudo seria a criação de um fundo de pensão a ser investido no mercado, num momento da história que se caracteriza pela instabilidade deste, e pior, quando o próprio governo tem uma política macroeconômica que favorece a especulação.
Além de tudo isso, a participação do governo estadual no financiamento do fundo de pensão, aumentaria  em médio prazo os gastos de pessoal (pelo menos até 2032 segundo o instituto de previdência do estado). Não seria mais correto utilizar estes recursos e o Banrisul, que foi transformado num banco comercial  por Rigotto e Yeda, para promover o desenvolvimento espraiado, integrado e integrador, aumentando dessa forma a capacidade de arrecadação, e assim fazer frente aos compromissos sociais do estado, sem estigmatizar como Marajá os funcionários públicos que ganham mais de três mil e pouco reais, como fazia aquele ex-presidente de triste memória?
Se nos indignássemos como os espanhóis, gregos e tunisianos e disséssemos: basta de medidas paliativas que recaem sobre nós e poupam a turma do andar de cima.
Os economistas heterodoxos, durante muitos anos deram munição teórica e empírica para o PT questionar o neoliberalismo. Porque agora que a crise mostrou o fracasso dos seus pressupostos teóricos e das suas políticas, iremos insistir em manter suas políticas econômicas que vão nos levar para o abismo? Por que não retomar nossos referenciais?

CARLOS SCHMIDT é professor da FACED/UFRGS
Reproduzido do site  http://www.cpers.org.br




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