quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

MANIFESTO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE EM DEFESA À SAÚDE DE NOVO HAMBURGO

Diante do quadro que a saúde vem enfrentando em nosso município, buscamos voltar um olhar necessário aos últimos acontecimentos que tem ocorrido. Testemunhamos ao longo do ano movimentos de posicionamento de várias instâncias para fazer valer o direito à saúde dos cidadãos da cidade. Cidadãos que como nós, trabalhadores da saúde, temos expectativas de melhorias e de lançar-nos à uma aposta e à um laço de integração para advir a esperada melhora. Processo que tem ocorrido e está sendo constituído através de encontros, reuniões, mesas redonda para a discussão de direções de trabalho e medidas que pudessem abarcar a viabilização de medidas de resolutibilidade para a saúde do município.

Nosso fazer esteve direcionado na sustentação da integralidade do SUS, desde a atenção básica até o hospital e neste tempo, temos experenciado a saúde no município em todas as suas intensidades. Na construção de direções de trabalho que obtivessem, mesmo sem os investimentos monetários necessários, resultados que contemplassem atendimentos os mais qualificados possíveis. Em muitos momentos, fundamos junto com a comunidade reuniões de rede comunitária, quando assumimos o compromisso de buscar o entendimento, tanto das enfermidades e das demandas dos territórios, quanto discutí-las entre profissionais e representantes de entidades de bairro, buscando inverter o modelo de saúde, de um modelo excessivamente hospitalocêntrico e medicamentoso, para um modelo preventivo de escuta e de investimentos nas necessidades peculiares de cada região da cidade. Neste sentido contamos com nossa rede de saúde e, para além desta, com a rede de educação, assistência, entidades privadas e ONGs. Parceiras estas, já de alguns anos, que constroem aquilo que a intersetorialidade remete ao conceito/idéia de rede. Processos locais que os trabalhadores da Saúde já vinham articulando em consonância, também, com as propostas do Conselho Municipal de Saúde na realização das Pré-Conferências de Saúde nos distritos sanitários, com sensibilização para abertura de conselhos locais de saúde.

Assim, nossa parte tem sido assumida com um exercício de dedicação e discussão das problemáticas em busca de soluções, quando os recursos humanos e o conhecimento da cidade tem sido imprescindíveis para alcançar resultados que mesmo que, em muitos momentos, não contando com recursos financeiros, foram os recursos humanos que sustentaram as direções de trabalho. Sabemos das fragilidades da saúde e muitas vezes vivemos frustrações diante dos problemas, tanto do sistema de saúde que necessita modificar sua lógica, quanto de muitas vezes não termos conseguido prestar o melhor atendimento.

Gostaríamos de registrar que algo há muito esperado - a realização de um concurso público - sempre foi nossa expectativa, a fim da regularização do acesso ao quadro municipal, obtenção de estabilidade, minimização de condições, muitas vezes hostis, com intervenções políticas nas relações de trabalho ao longo dos anos. Sem deixar de mencionar o convívio com os fantasmas da precarização de uma Associação Hospitalar; ou à mercê de contratações que ficaram muitas vezes significadas com transitoriedade de vinculação. Questões que foram instigando ou silenciando as equipes no dia-a-dia do trabalho, tendo de um lado a população que de direito merece uma saúde de qualidade e de outro as más condições para alcançar esta meta. Assim, os recursos humanos sempre ficaram a mercê de situações complexas.

Quando neste ano, com uma nova gestão, fica então proposta uma Fundação de Saúde para Novo Hamburgo. Apontada como solução diante da Lei de Responsabilidade Fiscal que tería atingido o teto de gastos possíveis e que o tal concurso publico não seria possível, pois os gastos com contratações diretamente com a Prefeitura já estavam expirados.

E, neste momento, estamos vindo a público apontar contradições que muito nos preocupam visto os efeitos que ações impensadas podem provocar. Pois, o edital lançado em 02 de Outubro de 2009, traz a impossibilidade de um concurso público; traz ,isto sim, um processo seletivo, visto que a fundação é estatal de direito privado. A precarização da saúde está, ao nosso ver, reforçada ao invés de minimizada. Aquilo que levava a uma possibilidade de equiparação da base salarial ao quadro dos estatutários, por especialidade, visto que há anos temos trabalhado lado-a-lado com remunerações diferenciadas em sua valoração, fica desconsiderado na proposta da Fundação. O que poderia estar justificado então pela condição privada da estatal, saindo das vias da Lei de Responsabilidade Fiscal, enquanto sustentação da ética e da isonomia salarial das especialidades, ficou novamente relevada à impossibilidade de recursos financeiros disponíveis. Como não bastasse, oprime e avilta ainda mais os trabalhadores, que além de manter o rebaixamento dos valores por hora, acrescenta em muitas especialidades um aumento da carga horária, desconsiderando para algumas especialidades o direito à insalubridade, visto que envolvidos em trabalhos de alta complexidade. Fatores que nos trazem questões centrais preocupantes em relação à qual então a intencionalidade da Fundação, enquanto desvelamos a imoralidade da tentativa de administrar sobre os recursos humanos a busca de soluções orçamentárias.

Listamos em forma de exemplos algumas das disparidades que colocam em risco o vínculo dos trabalhadores, visto que perpetuam um vínculo doente até então sustentado pela Associação Hospitalar, diante da diferença contrastante do que o mercado privado sustenta e que os colegas estatutários tem garantidos como direito pela Prefeitura:

- caso algum médico realize alguns plantões no serviço privado, contabilizando cerca de 36hrs, terá alcançado a remuneração que o município estará custeando para 200hrs mês;

- um psicólogo que tem, direcionado dentro do município, seu traballho para alta complexidade, está equiparado ao valor por hora a profissionais que no regime estatutário não tem nível superior. Além de desconsiderar o Projeto de Lei que traz menção de base salarial para 30 hrs semanais, para o profissional da saúde, quando no edital ficam requisitadas 44 hrs semanais.

Consideramos este um aviltamento das referidas categorias.

- A carga horária de 180 horas mensais (equivalendo a 45 horas semanais), sem indicativos de bonificações sobre insalubridade (para aqueles que trabalham em serviços de alta e média complexidade e com mais exposição a riscos), adicionado às más condições ambientais de trabalho. As únicas bonificações privilegiam apenas algumas categorias profissionais.

Urge pensar naquilo que a população vem insistentemente pedindo, ou seja, ter em seus atendimentos, em suas consultas, profissionais identificados à saúde pública com permanência nas comunidades.

- A bibliografia sugerida e a descrição de função de algumas especialidades levam a crer uma direção de continuidade hospitalocêntrica da direção de trabalho, ao invés do investimento que se faz urgente na Rede Básica de Saúde. Questionamo-nos assim, sobre a continuidade do trabalho que muitos segmentos da saúde vêm desenvolvendo no município, reconhecido por acadêmicos e profissionais da Saúde.

- O acesso às universidades, através de estágios supervisionados, ficará à mercê de uma transição, pois os supervisores locais necessitam de pelo menos dois ( 02 ) anos de formação e prática.

Profissionais que apontados como imprescindíveis em sua participação dos quadros funcionais, que na clinica e na direção da cura, tanto em situações de cronicidade, quanto preventiva tem obtido resultados que revertem em tratamentos muito melhor estruturados, não constam no edital. Entendemos que estes resultados que observamos em tratamentos já operados são aqueles que o HumanizaSUS preconiza como uma política construída a partir de experiências concretas que precisam ser multiplicadas. Algumas destas especialidades não tem ainda no município regulamentada sua presença no quadro da saúde e ficam aqui apontadas como importantíssimas, tais como: acompanhante terapêutico, arterapeuta, educador físico, pedagogo, musicoterapeuta, psicomotricista e redutor de danos. Teremos que aguardar a expiração deste concurso para termos as diretrizes do SUS abarcadas ? Qual é a visão de saúde que está sendo embutida neste edital de concurso?

Temos consciência que as oportunidades de trabalho que este concurso oportuniza dizem de algo que chama à busca de colocação junto ao mercado, principalmente, neste momento em que nosso município enfrenta os efeitos da globalização e a queda do dólar. Porém, pretendemos com estas questões auxiliar na regulação do mercado de forma a valorizar os trabalhadores. Questões que necessitam da sustentação ética da direção de trabalho das gestões e das equipes da saúde. Além de enfrentamentos outros para administrar as questões orçamentárias, em busca dos direitos do município, diante do Estado e da Federação. Movimento que, ao nosso ver, também cabe às Universidades, refletindo vias de abertura e discussão da remuneração justa dos profissionais que encaminha ao mercado.

Queremos, assim, utilizar nossa experiência no serviço público para alertar que o edital da maneira que foi publicado, deixa sérias dúvidas quanto a operacionalização do trabalho, principalmente uma inconsistência na sustentação para atenção em saúde que é preconizada pelos princípios norteadores do SUS, e que pode comprometer em grande medida a qualidade da atenção em saúde atingindo os cidadãos desta cidade. Diante disto pedimos a suspensão deste edital e a publicação de um novo, coerente com o que os trabalhadores merecem e que o município necessita.

Manifestamo-nos em defesa dos nossos direitos, em favor de um trabalho digno, justo e ampliado. O profissional de Saúde não pode apoiar qualquer modalidade de assistência parcial aos usuários que utilizam os serviços, ou deixar de apontar àqueles que desejam seguir ou ingressar no trabalho junto à saúde pública as incongruências desta.

Através deste movimento propomos manter viva a luta de proteção à vida e articulada à aliança que historicamente tem revelado a necessidade da interdisciplinaridade e do coletivo como proposta bem sucedida entre as categorias profissionais de Saúde, prestadores de serviços e outros que militam pelos princípios e diretrizes do SUS. “Esta militância acredita na força das lutas do povo e tem certeza de que a saúde pública brasileira ainda é possível”.
[1]
Novo Hamburgo, 12 de novembro de 2009.

[1] Trecho do Manifesto - Reafirmando Compromisso pela Saúde dos Brasileiros, Brasília 2005.

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